Topo

The Sims 4

Luiz Hygino

do Gamehall

19/09/2014 16h58

Desde o lançamento do primeiro título da franquia “The Sims”, a série da Electronic Arts é incluída, de forma solitária, no gênero “simulador de vida”. “The Sims 4” é, de longe, o capítulo que mais se aproxima de tal definição, ainda que abrindo mão de características de sucesso de seus antecessores.

Os cinco anos de diferença de evolução tecnológica que separam “The Sims 3” e “The Sims 4” são bastante evidentes, seja nos cada vez mais expressivos gráficos ou na inteligência artificial, carregada de emoções, que fazem com que o jogador acredite, cada vez mais, na fantasia de que os personagens que figuram a tela de seu computador são seres humanos, com zeros e uns no lugar de células. “The Sims 4” é um jogo polido, com pequenos detalhes que continuam surpreendendo, mesmo depois de horas e horas de jogo.

Mas, assim como eu e você (e os próprios Sims), os responsáveis pelo jogo precisam colocar comida em suas mesas, têm contas para pagar. A estratégia da EA de só oferecer uma experiência verdadeiramente completa com a chegada de inúmeros DLCs (enchendo, assim, seus respectivos cofres), parece muito evidente, mais uma vez, em “The Sims 4”. O título inicial, sem suas vindouras expansões, é apenas a ponta do iceberg.

Dizem que jogos de videogame oferecem ambientes seguros nos quais nós, jogadores, podemos passar pelas mais variadas situações e experiências, trazendo do ambiente virtual importantes lições e aprendizados. Nesse papel, “The Sims 4” competentemente nos educa, em pequenos fragmentos, a desempenhar a função mais complicada e desafiadora de nossas vidas: a de sermos nós mesmos.

Introdução

Desenvolvido através de uma parceria entre Maxis e The Sims Studio, “The Sims 4” é o quarto episódio da franquia de simulação de vida lançada com enorme sucesso de público e crítica no ano 2000.

Sem história ou objetivo final, jogadores podem criar pessoas virtuais, os Sims, para popular dois distritos vizinhos, chamados nesta edição de “mundos" (Oasis Springs e Willow Creek). Cada mundo, por sua vez, é dividido em seis vizinhanças, quatro residenciais e duas comunitárias (um parque e uma vizinhança com academias, bares, restaurantes, bibliotecas e museus).

Para sustentar suas necessidades e desejos (baseados em quatro traços de personalidade e na aspiração de vida de cada um), os Sims podem escolher entre oito carreiras diferentes para ingressar (culinária, agente secreto, astronauta, criminoso, guri da tecnologia, artista, pintor e escritor). Depois de algumas promoções, cada uma das profissões oferece, ainda, dois ramos diferentes de especialização.

Sims de todos os mundos podem interagir entre si, construindo amizades, colecionando desafetos e engatando relacionamentos amorosos. Com o passar do tempo, a realidade dos Sims, assim como a nossa (em análise simples) fica resumida a nascer, crescer, se reproduzir e morrer (com direito a visita da Dona Morte, figura carimbada da série, desta vez equipada de um tablet para checar a lista de seus escolhidos).

Pontos Positivos

Criação e construção no auge

Uma das maiores promessas dos produtores de “The Sims 4” dizia respeito ao modo de criação de Sims e ao modo de construção do game, classificado, por vezes, como “extremamente intuitivo”.

Embora em um primeiro momento as novas técnicas possam causar um certo estranhamento, é impressionante como, depois de pouco tempo de experimentação, fica fácil traduzir suas ideias de rostos, corpos e contrições para o jogo.

Na criação de personagens, quase todas as partes do corpo de um Sim podem ser customizadas apenas com movimentos simples do mouse. Inclinação dos olhos, projeção da mandíbula, ponta do nariz, tamanho da boca: todas (e não são poucas) as opções oferecidas pelo jogo podem ser customizadas. Não à toa, a internet está explodindo de versões Sims 4.0 de celebridades e figuras públicas.

O modo de construção também parece mais intuitivo, e muito mais inteligente. Além das ferramentas básicas, o grande trunfo da ferramenta fica por conta da interação com cômodos inteiros. Além de poder jogar um cômodo pré-fabricado direto no terreno, ligado a uma casa já existente, ou usando-o como pedra fundamental para seu imóvel, os ambientes podem ser customizados de forma simples e eficaz. Ao ampliar uma sala de estar, por exemplo, carregando uma de suas paredes, o cômodo se adapta de forma inteligente, carregando junto a mesma disposição de móveis e preenchendo novos espaços de piso e parede.

Não é exagero considerar os modos de construção de casas e de criação de Sims jogos à parte de “The Sims 4”. É possível passar horas e horas brincando e experimentando neles, ainda que uma leve sensação de falta de roupas, itens, móveis e utensílios fique no ar.

A possibilidade de compartilhamento das criações, só engrandece a experiência. Jogadores podem encontrar Sims, cômodos e casas, todos criados pela comunidade de “The Sims 4”, através de um sistema de busca muito bem resolvido. Perceber o quão longe as ferramentas de criação do jogo podem ir é surpreendente.

Emoções

Além das seis necessidades básicas (bexiga, fome, energia, diversão, social e higiene) que regem o jogo e dão cor ao cristal de felicidade de cada personagem, o comportamento dos Sims em “The Sims 4” é direcionado pelas emoções que afetam seus temperamentos.

Sims podem ficar furiosos, entediados, confiantes, atordoados, envergonhados, animados, paqueradores, focados, felizes, inspirados, brincalhões, desconfortáveis, tristes, tensos e adormecidos. As emoções ganham aspecto ainda mais aflorado, dependendo das ações do personagem.

O interessante é perceber o efeito bola de neve que as emoções têm: certas atividades despertam diferentes emoções nos Sims (assistir a um programa de comédia o deixa brincalhão, por exemplo), emoções que, por sua vez, inspiram e encorajam diversos tipos de atitude e desbloqueiam opções únicas de ações e de interação (o Sim brincalhão, entre outras coisas, tem mais sucesso ao contar piadas).

O resultado final é uma experiência muito mais rica e complexa, com dias que se sucedem e parecem não se repetir. Afinal de contas, um dia frustrante no trabalho deixa qualquer um cabisbaixo, mesmo que você tenha tomado banho e ido ao banheiro.

Multi-tarefa

Nenhuma novidade transformou tanto a série quanto a capacidade multi-tarefa dos Sims em “The Sims 4”. Em tempos em que os próprios jogadores comem, assistem televisão, escutam música, navegam pela internet e batem papo, tudo isso ao mesmo tempo que jogam “The Sims 4”, seria frustrante ter que continuar vendo os Sims comportarem-se como robôs limitados, realizando uma tarefa de cada vez.

O comportamento deles passa a fazer mais sentido, mas não necessariamente deixa o jogo fácil. Apesar de ser possível matar vários coelhos com poucas e simultâneas cajadadas, o jogo ampliou e ramificou habilidades (algumas apropriadas de expansões dos jogos do passado), além de ter objetivos específicos ligados a emoções e aspirações, garantindo que os Sims estejam sempre bastante ocupados.

O maior impacto da nova realidade multi-tarefa dos Sims fica na lógica de suas interações sociais. A grande maioria das atividades pode ser feita enquanto Sims conversam entre si, dois ou mais deles. Famílias inteiras podem discutir em suas casas, cada um realizando uma tarefa, enquanto viagens a clubes, bares e parques tornam-se, realmente, atividades coletivas. Sem perceber, seu Sim vai se tornando amigo ou conhecido de diversos outros Sims, mesmo tendo passado todo o tempo de um passeio, por exemplo, comendo, bebendo, dançando, assistindo a um número de comédia stand-up, malhando e vendo um programa de culinária.

Pontos Negativos

Vidas vazias

Depois de bastante tempo controlando meu primeiro personagem, e da frustração ao perceber que todos meus vizinhos envelheceram mais rapidamente que ele (inclusive todos seus interesses românticos, que foram pra terceira idade antes que ele tivesse conseguido seu primeiro Oba-Oba, despertando o questionamento existencial “O amor realmente não vê idade?”), fui investigar a vida de outras famílias, para descobrir o que estava acontecendo com essa gente toda.

A resposta? Nada.

Uma mulher adulta tornou-se idosa, viu seu marido morrer, seus filhos tornarem-se adultos. Nenhum deles trabalhou durante esse período. Eles nunca tiveram um emprego, não compraram nada de novo para suas casas, não aprenderam nenhuma habilidade, não se relacionaram com ninguém (exceto nos momentos em que meu personagem estava presente), não casaram, não tiveram filhos. Não viveram. Mas morreram. E deixaram suas casas assustadoramente vazias.

A opção de envelhecimento dos Sims de outros lotes que não o lote ativo pode ser desligada, claro. Isso faz com que sua família passe a viver num mundo onde todos são imortais, menos seus familiares, correndo o risco de convidar aquele seu amigo de infância para uma visita em casa, apenas para descobrir que, apesar de seu Sim ser um idoso, o amiguinho continua sendo uma criança. Cabe ao jogador escolher qual das duas opções é a menos pior.

Passos pra trás

Sob o argumento de priorizar as grandes novidades de “The Sims 4”, um jogo alegadamente construído “do zero”, Maxis e The Sims Studio tiveram que abrir mão de uma série de características consagradas da série. Os “toddlers”, crianças da primeira infância, não existem mais, e os bebês, de uma hora pra outra, viram crianças capazes de fazer quase tudo que os Sims adultos fazem.

As piscinas, símbolos de recreação e de assassinatos (na série, que fique bem claro), ficaram de fora. O modo de criação e customização de estilos e texturas desapareceu. As vizinhanças não são mais interligadas, mas pedem telas de carregamento sempre que se vai de um lugar para o outro.

A intenção aqui não é colocar novidades e ausências em uma balança para descobrir se os produtores acertaram ou erraram. Mas “The Sims 4” faz parte de uma série, e jogadores retornam a uma série esperando encontrar, mais uma vez, os elementos de sucesso dela. Nesse ponto, o jogo tem pontadas de frustração.

Tenho certeza que os produtores entendem o peso de suas decisões ao tomá-las, e assumem responsabilidade por elas, mas o reconhecimento de alguns erros não necessariamente acaba com eles.

Nota: 8 (Ótimo)