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24/06/2008 - 10h00

Entrevista: Bertrand Chaverot fala sobre a Ubisoft Brasil

THÉO AZEVEDO
Da Redação

Théo Azevedo/UOL

Bertrand Chaverot, diretor da Ubisoft Brasil, em sua casa

Bertrand Chaverot, diretor da Ubisoft Brasil, em sua casa

A Ubisoft retorna ao Brasil e, desta vez, não é para cuidar do marketing e de questões burocráticas de seus produtos; trata-se de um escritório de produção de games, o estúdio Ubisoft São Paulo. Os planos envolvem começar com 40 funcionários, criando títulos para Nintendo DS, mas dentro de três anos o número pode chegar a 200, trabalhando para os consoles atuais - PlayStation 3, Wii e Xbox 360.

Bertrand Chaverot, executivo responsável pela empreitada brasileira da Ubisoft, cedeu entrevista ao UOL para falar, com mais detalhes, sobre a nova investida da companhia, que desta vez veio para ficar.

UOL: Por que voltar ao Brasil, e desta vez com estúdio de produção?

Bertrand Chaverot: Porque para os negócios ainda é muito cedo para competir com a pirataria - ainda temos impostos de importação muito altos, além de PIS/COFINS, ICMS e IPI. Porém, para a produção há oportunidades, graças ao talento e a competência disponíveis, e à população que está muito afim de criar.

A Ubisoft sempre procura lugares com culturas diferentes, jovens talentos e custo menor que os da Europa, e por isso é a empresa de games mais pulverizada do mundo, em termos de estúdios. Fomos os primeiros a ir para o Canadá, China, Leste Europeu, e acabamos de anunciar novos estúdios. A Ubisoft continua a crescer: faturamos 928 milhões de euros em 2007, um crescimento de 36% em relação a 2006 e, com 4200 funcionários no mundo já somos a terceira editora independente. Com a nova geração de jogos que está chegando vamos precisar crescer ainda mais, o que inclui os estúdios. E o Brasil faz parte desta estratégia de crescimento.

E tem a cultura brasileira, que é bastante criativa e ao mesmo tempo "ocidental" - um filme que faz sucesso em Seattle ou Londres vai fazer sucesso em São Paulo. Também achamos que o Brasil tem algo diferente, que merece ser divulgado: que seja videogame ou o cinema brasileiro, que está crescendo (adorei o controverso "Tropa de Elite" e filmes de Beto Brant por exemplo), a publicidade, que sempre ganha muitos prêmios fora, a moda e obviamente a música brasileira, com sua diversidade excepcional que ainda não é bem conhecida no exterior. O Brasil não vai exportar apenas milho, soja e ferro; vai exportar também cultura.

Além disso, a Ubisoft gosta de ser a primeira, e será a primeira a chegar ao país. Ser pioneiro é mais complicado, mas se você tem sucesso garante uma vantagem estratégica nas parcerias com universidades e instituições governamentais.

UOL: O que faltou na primeira investida da Ubisoft no Brasil?

Chaverot: Não fechamos as portas. O que aconteceu foi que paramos de ter marketing aqui. Eu cheguei em 1999 para cuidar da distribuição nos países da América Latina, como no caso dos jogos da Ubisoft para PC que, no Brasil, são distribuídos pela Electronic Arts. Depois, quando fui embora mantivemos os distribuidores. Ou seja, continua igual, mas o marketing é feito pelos distribuidores.

Fomos embora porque o mercado formal era pequeno demais, e a parte legal era apenas para PC. Hoje o mercado de PC está diminuindo e representa somente 10% do mercado de games, e no Brasil é o único mercado que pode ser bem trabalhado.

UOL: Por que São Paulo?

Reprodução
Sede da Ubisoft em Paris; a empresa francesa quer intercâmbio entre estúdios para treinar produtores de jogos brasileiros
Chaverot: Para nós o mais importante são os talentos. O Brasil ainda não tem tecnologia para videogames, mas tem o "brain power", então temos que estar perto de onde está a capacidade intelectual, das universidades, e São Paulo é o melhor lugar para isso.

Nós vamos trazer talentos de fora também, da Ubisoft e de outras empresas. E estas pessoas vão encontrar em São Paulo uma qualidade de vida, uma atividade social e cultural, de primeiro mundo. E para estas pessoas que vão vir do Canadá, dos EUA, da França e Inglaterra, esta qualidade é muito importante.

No início acho que será um pouco complicado, mas achamos que vamos conseguir trazer pessoas muito boas de fora para treinar os jovens brasileiros. Ainda tem um pouco de preconceito quanto à imagem de São Paulo, em relação à violência. Mas eu serei um bom embaixador de São Paulo para explicar, hein? [risos].

UOL: Você já pensa em expansão?

Chaverot: Na verdade, São Paulo será o início, mas não fechamos as portas. Estamos olhando outros lugares, mas vai depender muito dos incentivos fiscais. As outras cidades que nos interessam são o Rio de Janeiro, pela grande população da área de criação (design, telecom, mídia, televisão, publicidade), e a região de Florianópolis, pois lá é muito seguro e todo mundo sabe que é o melhor lugar para se morar no Brasil.

UOL: Como vai funcionar a produção de jogos no Brasil?

Reprodução
Passatempo de "Fashion Designer", da linha "Imagine" e...
Crédito
..."Petz Catz": jogos para DS voltados ao público feminino
JOGOS DA UBISOFT
Chaverot: Na primeira fase, vamos montar um sistema sólido com uma base de 40 pessoas durante o primeiro ano. A idéia é treinar as pessoas que formarão o time principal que, por sua vez, treinará as equipes que virão depois.

Este time principal vai criar um ou dois jogos para Nintendo DS, voltados para família ou crianças, que são bons enquanto projeto inicial. E a Ubisoft está muito bem posicionada neste mercado: é a líder entre as distribuidoras independentes - a primeira colocada é a Nintendo.

Temos duas linhas fortes, "Imagine" e "Petz". Eu contribuí muito para a linha "Imagine", pois fui o responsável pelos quatro primeiros jogos desta linha na Europa, entre 2005 e 2006. Conheço muito bem este mercado e quero continuar fazendo jogos nesta linha. A Ubisoft aposta muito no mercado casual, com marketing forte e jogos para meninas, que estão exigindo games com mais conteúdo e qualidade.

Após o primeiro ano, a estratégia é fazer um pouco de "outsourcing" também, trabalhando em colaboração com outros estúdios da Ubisoft, que poderia ser o Canadá, que tem o mesmo fuso-horário. Poderíamos trabalhar na parte gráfica, criando mapas, veículos, personagens etc. Seria muito bom para aprendermos a trabalhar em um projeto para a "nova geração".

Outro projeto no plano estratégico é começar, assim que possível, a desenvolver um jogo para Wii.

Logo, a idéia é investir em três pilares: jogos para DS, que é o casual; outsourcing de nova geração, começando em um ritmo certo - não vamos começar criando um jogo para PlayStation 3; e iniciar um projeto para conhecer a interface do Wii, que é muito especial e possui bastante potencial.

UOL: Você pode falar mais sobre os jogos para DS?

Chaverot: Seria algo na linha "Games for Everyone". O tema ainda não foi decidido, mas temos três conceitos e vamos definir em agosto. São jogos para meninas, na área dos "trabalhos aspiracionais", e como estão previstos para o Natal de 2009, prefiro não dar detalhes agora.

Cada estúdio tem a sua independência, mas todos os projetos precisam ser apresentados para a matriz. Podemos imaginar o projeto e seu conceito livremente, mas depois temos que "vendê-lo" para a matriz. Uma vez aprovado, temos a verba para fazer o jogo etapa por etapa. Começamos com a fase do protótipo, depois vem a pré-produção e finalmente a produção do jogo completo. A cada grande etapa desse processo há uma apresentação bem detalhada para a direção editorial na matriz, do game design e da nossa visão criativa. A matriz, por sua vez, valida ou manda refazermos nosso trabalho se este não atingiu as metas de qualidade e de inovação da Ubisoft.

UOL: Quanto aos funcionários, a filial vai empregar brasileiros ou também estrangeiros?

Chaverot: Serão no máximo cinco ou seis estrangeiros, e o restante todos brasileiros. Talvez alguns argentinos, mas não muitos [risos]. Mas, falando sério, é importante ter algumas pessoas de fora para trazer experiência, para construir o "pipeline" de produção bem certinho dentro dos processos da Ubisoft e uns seis meses para ensinar sobre o "engine" [tecnologia] da Ubisoft, além de seis meses de formação para os artistas, game designers, que são os profissionais mais difíceis de achar.

Alguns vão ficar, pois você sabe que o Brasil integra bem estrangeiros. Outros vão sair, pois é política da Ubisoft promover este intercâmbio. Aliás, também vamos enviar brasileiros para o exterior (uns 30 ou 40 brasileiros). E o Brasil também é legal para contratar alguns colombianos, chilenos e dois ou três argentinos.

UOL: Você acha que os produtores brasileiros têm potencial e expertise suficientes para fazer frente aos estrangeiros?

Chaverot: Não há problemas quanto a isso, pois as pessoas que vamos trazer têm experiência em treinamento. Eles vêm, treinam e depois deixam a responsabilidade com quem está aqui. A Ubisoft sempre trabalhou assim, deixando a responsabilidade para pessoas jovens.

O pior é trazer pessoas de fora para assumir as responsabilidades. Isso não pode acontecer. Mas a Ubisoft tem 20 anos de experiência em montar estúdios, transferir know-how e agora está tudo muito organizado, com métodos-padrão, tanto na área de programação, quanto na parte gráfica, de game design.

UOL: Você pretende tentar alguma aproximação mais direta com instituições de ensino?

Chaverot: Já temos contatos bons com universidades que oferecem mestrado com ênfase em games. Vamos fazer parcerias, tanto na área do currículo de mestrado, para ajudar a adaptá-los à realidade das empresas, o que é muito importante, e também na área de contratação de estagiários e recém-formados.

E também promover palestras para animar os estudantes, já que o Brasil tem pelo menos sete mestrados especializados na área, então vamos conhecer todas estas universidades, o que será parte da segunda fase - a primeira é montar o escritório.

UOL: Qual é a abordagem da Ubisoft em relação às produtoras nacionais?

Chaverot: Não acho que será uma concorrência, e pode se transformar em parceria, como já fizemos com alguns estúdios brasileiros que têm contratos assinados com a Ubisoft para produzir jogos, que não posso falar, porque acho que não foi divulgado ainda.

A Ubisoft vai fazer parte da Abragames, conhece bem o mercado brasileiro e vai trabalhar com outros estúdios para fazer crescer o mercado.

UOL: O Governo ofereceu algum estímulo ou incentivo para a instalação do escritório?

Chaverot: Há muitas leis novas chegando no Brasil para incentivar o desenvolvimento de software e a inovação. Os dois problemas do Brasil para a nossa indústria são os custos trabalhistas e os custos de importação, o que dificulta para nós, pois somos uma indústria só de homens e temos que importar os kits de desenvolvimento de Microsoft, Nintendo e Sony. Vamos aproveitar as leis para reduzir estes dois custos. O Governo já entendeu.

O objetivo da Ubisoft é chegar a 200 pessoas em três ou quatro anos no Brasil, mas sem reduzir o custo trabalhista será impossível, porque hoje, com a alta do real e o tamanho dos cargos patronais, o Brasil não é tão competitivo. O lado bom é que o Governo entendeu a urgência da situação em nossa área de software, por isso está fazendo essas leis especiais. Também tem as agências de desenvolvimento como ABDI, Finep, Fapesp e BNDES, que estão trabalhando com muita inteligência e recursos para o futuro do Brasil na área mais estratégica da economia de amanha, a industria do conhecimento.

O objetivo é iniciar com um plano estratégico ambicioso de cinco anos com universidades e poderes políticos para criar um ecossistema na área dos softwares de videogames e de multimídia (linguagens, arquitetura de software, imagens e texturas, modelagem, animação 3D, efeitos especiais, inteligência artificial etc.). Uma empresa chega, depois isso atrai outra empresa, que atrai outras e assim sucessivamente.

QUANTO CUSTA PARA UM VIDEOGAME CHEGAR AO BRASIL?
Imposto de Importação (II): De intenção protecionista, é um imposto federal que incide sobre a entrada de produtos estrangeiros em território nacional28%
ICMS: Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação25%
IPI: A principal incidência é sobre mercadorias nacionais e estrangeiras que consistam na reunião de produtos, peças ou partes e da qual resulte um novo produto ou unidade autônoma50%
PIS: Pago pelas pessoas jurídicas, a grosso modo incide sobre bens adquiridos para revenda1,65%
Confins: Tributo cobrado pela União para atender a programas sociais do governo federal7,6%
UOL: Com a pirataria e os altos impostos, quais as chances do Brasil enquanto mercado de games?

Chaverot: Tenho certeza que vai abrir daqui a pouco. No ano passado, o faturamento do mercado de videogames nos Estados Unidos superou o faturamento de bilheteria do cinema e mais o de música. Obviamente, os EUA são o país mais avançado, mas isso mostra uma tendência que vai continuar, pois o mercado de games cresce 15% ao ano.

O Brasil tem que levar isso em consideração, e hoje tem uma posição saudável para abrir este tipo de importação. Fazendo isso, vai ajudar um mercado que é estratégico para o futuro, pois cria muitos empregos em áreas diversificadas, que têm a ver com tudo. O Brasil precisa de uma indústria local de videogames forte, pois as pessoas que vão trabalhar nesta área depois vão trabalhar na saúde, ensino, arquitetura, televisão, cinema etc.

Tudo está vinculado hoje: dentro do videogame há computação gráfica, comunicação, informação, inteligência artificial, programação e por aí vai. Então esta indústria é muito importante para qualquer país moderno. E o Brasil já entendeu isso.

UOL: Você acha que a vinda da Ubisoft pode causar efeito semelhante ao que ocorreu quando a empresa inaugurou o escritório em Montreal, no ano de 1997?

Chaverot: Quando a Ubisoft chegou a Quebec, em 1997, havia menos de 200 pessoas trabalhando no setor de multimídia. Dez anos depois, eram 5.000 pessoas e mais de 260 empresas, que tornaram o Canadá um dos países mais avançados na área de multimídia. É um exemplo de sucesso tremendo e que vai continuar, pois o governo canadense aprovou a manutenção dos incentivos fiscais até 2013.

No Brasil, vai depender muito de como vamos usar as leis e os incentivos, mas acho que será mais complicado que o Canadá, já que é complexa a maneira de organizar todas as leis. No Canadá, foi uma política muito voluntarista e simples de acionar.

Mas o objetivo é este: criar soluções para fazer crescer esta indústria e também trabalhar em parceria com o Canadá. O Brasil precisa de experiência de formação e o Canadá precisa de homens, de recursos humanos. Estamos trabalhando para desenvolver parcerias entre Ubisoft Brasil e Montreal, criando um círculo de intercâmbio, formação e produção.

UOL: Hoje o México ocupa a dianteira no mercado de games da América Latina. Você acha que o Brasil pode ultrapassar o país?

Chaverot: Acho que o potencial do Brasil é maior que o do México, com certeza, mas os preços aqui são duas vezes mais altos. Contudo, o Brasil vai virar o jogo rápido, pois tem a cultura do videogame e uma base instalada de PlayStation 2 muito importante. O México tem 90 milhões de habitantes, enquanto o Brasil possui o dobro; então, é a matemática que fala.

UOL: Por fim, que mensagem você deixaria aos brasileiros que gostariam de trabalhar na Ubisoft?

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Chaverot: Gostaria de dizer que a Ubisoft é consciente do papel que tem no Brasil, que é de apresentar e divulgar esta indústria, que é uma opção muito interessante para os jovens no futuro, pois oferece uma grande diversidade de trabalho, por misturar tecnologia e arte para criar emoções.

O que eu diria aos jovens que gostam muito de videogame e que desejam trabalhar nessa indústria é que eles têm que escolher uma área - programação ou arte - e ter uma ambição e exigência muito grandes, pois este mercado vai crescer e ser competitivo no mundo inteiro. O nível de qualidade é muito alto e para ingressar nessa área será preciso ser muito bom e oferecer algo diferente.
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