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"Total War": relembre a série que renovou jogos de estratégia e agora ataca com "Shogun 2"

GUILHERME SOLARI<br> Colaboração para o UOL

16/03/2011 15h21

Com "Shogun 2", que sai nesta semana, a série "Total War" contabiliza doze jogos e expansões criados ao longo de onze anos. Nesse período a franquia produziu alguns dos melhores jogos de estratégia em tempo real que existem, não só alcançando sucesso comercial como ainda quebrando diversos paradigmas do gênero.

Nos idos de 2000, o gênero de estratégia em tempo real era o grande fetiche no mercado dos games, com clone após clone de "Command & Conquer" se acotovelando pela atenção dos consumidores nas estantes das lojas. Foi quando a Creative Assembly lançou "Shogun", primeiro título da série e jogo que foi uma lufada de ar fresco na mesmice que se tornara endêmica nos títulos de RTS.

Por incrível que pareça, a desenvolvedora começou a trabalhar escondido no projeto sem que a distribuidora Electronic Arts soubesse. Como o diretor de criação Mike Simpson disse em uma retrospectiva divulgada pela Creative Assembly, eles deveriam estar trabalhando em "um RPG sobre um macaco", mas começaram a separar um tempo para "Shogun" meio às escondidas. Não sabemos se o tal RPG símio seria bom, mas fãs de RTS agradecem essa virada do destino.

"Shogun" inovou em diversas frentes ao mesmo tempo. Ele se passa durante o riquíssimo, porém pouco explorado - ao menos nos games - Japão durante o período de Sengoku do século 15 ao 17, época na qual diversos nobres lutaram pelo controle da nação. A ambientação do Japão feudal foi belamente reconstruída no jogo, com campos verdejantes, montanhas nevadas, densas florestas, palácios mostrando a bela arquitetura da época e até revoadas de pássaros cruzando placidamente locais bucólicos que em breve se tornariam palco de carnificinas. Era um alívio perceber que não se estava em ainda "outro" RTS na Segunda Guerra.

"Shogun" (2000)

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As batalhas de "Shogun" tinham escopo e realismo inéditos para o gênero


"Shogun" era dois jogos em um, na verdade. Ao invés de ter um modo campanha com uma narrativa como mandava o manual do gênero, o jogador criava a sua própria saga em um jogo de tabuleiro separado por províncias, semelhante a "War" ou "Risk". Nesse mapa estratégico era possível construir unidades, movimentar exércitos além de tentar assassinar generais inimigos com ninjas ou as temidas "gueixas lendárias" - atentados acompanhados por vídeos nos quais não se sabia no começo se o agente teria sucesso ou não. Quando dois exércitos se encontravam em uma mesma província, entrava-se a parte RTS.

"Shogun" quebrou diversas convenções desse gênero. Você não construía uma base ou unidade nenhuma durante as batalhas e as poucas estruturas que encontrava eram os palácios durante sítios. Em vez de controlar soldados individuais, você comanda pelotões com grandes bandeiras, que se tornariam marca registrada da série. Era preciso levar em conta fatores como elevação (cargas ladeira acima eram mais fracas), velocidade do vento (influenciava o trabalho dos arqueiros), flanqueamentos e condições climáticas. Assim como em batalhas reais, a vitória era definida mais pelo posicionamento das tropas antes do engajamento do que a luta em si.

Suas tropas também raramente lutavam até a morte, portanto não adiantava mandar seu grupo de camponeses em uma carga suicida contra aqueles samurais armados dos pés à cabeça, por que eles fugiriam em questão de segundos, o que tornava a moral um dos recursos mais importantes do jogo. Quando ao final de uma longa batalha a sua cavalaria leve perseguia os últimos sobreviventes em retirada, você ainda observava o campo de batalha decorado com o pequeno corpo pixelado de cada pequeno soldadinho que morreu ali.

"Shogun" trouxe um equilíbrio surpreendente entre a ação de um RTS e o pensamento estratégico de um wargame. A expansão "Mongolian Invasion" abordava um cenário de história alternativa, imaginando como seria a invasão liderada pelo conquistador mongol Kublai Khan caso sua frota não tivesse sido devastada a caminho do arquipélago japonês.

"Medieval" (2002)

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"Medieval" usou bem o tenso período histórico repleto de cruzadas e jihads


Em 2002 a série "Total War" se dirigiu à Europa feudal com "Medieval". A jogabilidade praticamente se manteve a mesma, com a exceção dos sítios a castelos que se tornaram mais complexos devido às fortalezas imponentes com até três camadas de muros e baluartes armados com canhões. O game, no entanto, aproveitou bastante o período histórico mais familiar. Em especial ao retratar a tensão religiosa da época entre o mundo cristão e muçulmano, com cruzadas e jihads avançando sobre nações inteiras.

E se em "Shogun" havia poucas diferenças entre a facção que você escolhia, em "Medieval" essa escolha tinha grande impacto no jogo, tanto pelas unidades disponíveis quanto pela força inicial da nação, funcionando como uma espécie de nível informal de dificuldade. O mapa também era gigantesco, permitindo que você encarnasse papéis como um líder britânico tentando unificar a Europa, um sultão tentando manter a terra santa ou o imperador bizantino, preso primeiro entre a Europa não-ortodoxa, o mundo muçulmano e, depois, as temidas hordas mongóis.

A expansão "Viking Invasion" ampliou e se concentrou no mapa do norte da Europa, retratando as invasões das hordas de "homens do norte" entre 763 e 1066. Além de ser ridiculamente divertido encarnar um sanguinário rei viking mais preocupado em saquear províncias ricas do que em colonizá-las, a expansão permitia jogar também com diversos reinados celtas e saxões. "Viking Invasion" trouxe diversas melhorias que podiam ser aproveitadas na campanha tradicional, como uma tela pré-batalha para organizar as tropas, flechas em chamas para incendiar castelos e dezenas de unidades novas.

"Rome" (2004)

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Com soldados em 3D, as batalhas de "Rome" buscaram o tom épico do cinema


As primeiras imagens divulgadas de "Rome", que seria lançado em 2004, deixaram fãs da série de queixo caído. Cada soldado estava agora em 3D e as animações tornavam as lutas muito mais dinâmicas. A melhoria gráfica permitia que as batalhas fossem acompanhadas de perto, com um ar muito mais cinematográfico que tornava possíveis episódios marcantes, como quando se via pela primeira vez uma carga de elefantes cartagineses lançando romanos para todos os lados. Os próprios desenvolvedores afirmam que buscaram uma atmosfera de épicos hollywoodianos como "Spartacus" ou "Gladiador".

O mapa estratégico também sofreu grandes mudanças. Agora você podia andar com exércitos dentro das províncias e essa precisão maior dava importância ao controle de bifurcações como vales e passagens. E quando os exércitos se encontram, o campo de batalha era criado dinamicamente levando em conta a geografia do mapa estratégico. Ou seja, aquele vulcão ao fundo está lá, assim como a floresta ao leste e a costa. Isso sem falar nas climáticas batalhas noturnas cheias com flechas em chamas voando para todos os lados.

Outro dado importante é que o jogador não controlava Roma em si, mas uma de três famílias: Julii, Brutii e Scipii. Cada uma está em posição para anexar uma parte do globo, como refazer os passos de César contra as tribos celtas e germânicas da Europa, atacar arqui-inimiga Cartago ou anexar a Grécia. A partida eventualmente se torna uma corrida pelo poder na qual as facções precisam ganhar força antes da eventual guerra civil, quando as três facções lutam pelo controle completo de Roma.

"Rome" foi o único título "Total War" até hoje com duas expansões: "Alexander" retratou as batalhas do conquistador helênico, enfatizando o uso de falanges e cavalaria pesada e a reconstrução de batalhas históricas, muitas delas contra o imperador persa Dario III. Já "Barbarian Invansion" lidou com a decadência e queda de Roma frente a diversas tribos bárbaras, em particular os Hunos liderados por Átila. As facções bárbaras não morriam quando sua última cidade era conquistada, mas se tornavam "hordas", exércitos gigantescos capazes de tomar um naco inteiro do mapa do jogo só pela força dos números.

"Medieval 2" (2006)

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"Medieval 2" refinou a fórmula e "Kingdoms" expandiu ainda mais o jogo


Depois de criar o spin-off de ação "Spartan Total Warrior", a Creative Assembly retornou à Europa em 2006 com "Medieval 2". É praticamente um cruzamento da game engine de "Rome" com a ambientação de "Medieval", sendo as poucas mudanças a diferença de povoados entre cidades e castelos, a capacidade de influenciar nas eleições papais e de dar uma visitada no Novo Mundo.

Foi um jogo que trouxe mais do mesmo, mas quando o mesmo é tão bom quanto o da série "Total War" isso não chega a ser um problema. O que "Medieval 2" não oferece de evolução eles trazem em aprimoramento da fórmula. O game requeria uma instalação enorme e um computador tão potente que seria digno da NASA, mas o jogador era recompensado com batalhas gigantescas repletas de cavaleiros com texturas complexas e detalhes diferentes dentro das unidade, como os capacetes ou padrões nos escudos de cada soldado.

A expansão "Kingdoms" surpreendeu os fãs acostumados a algumas novas facções e um mapa diferente ao trazer quatro campanhas que são cada uma praticamente um jogo "Total War" à parte. Uma das maiores novidades é a das Américas, que traz sete novas facções nativas jogáveis durante o começo da colonização do continente e uma dinâmica completamente nova ao jogo.

"Empire" (2009)

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Em "Empire" os fãs da série tiveram batalhas navais e campanhas multiplayer


"Empire", lançado em 2009, ampliou ainda mais o escopo histórico encontrado em "Medieval 2". O jogador podia escolher conquistar a Europa, norte da África, Américas e as Índias com onze facções jogáveis, totalizando quase cinquenta no total.

Devido ao período histórico que vai do século 18 ao 19, as armas de fogo que antes eram usadas por umas poucas unidades especializadas se tornaram comuns nos exércitos. E as batalhas navais que antes sempre foram resolvidas abstratamente se tornaram o que a Creative Assembly chama de "o terceiro jogo".

"Empire" expandiu a divisão em campanhas, oferecendo maior variedade em cenários menores, inclusive um ambientado no Brasil. O game tomou algumas medidas para facilitar o microgerenciamento de províncias que se torna enorme na reta final das campanhas de "Total War", como a inclusão de ministros que ajudam com a administração. Há também agora uma linha de tecnologia muito familiar a fãs de jogos como "Civilization", que gerava avanços bélicos, ou em agricultura e infraestrutura.

Desde "Shogun" os jogos multiplayer de "Total War" expandiam em muito a vida útil do jogo e formavam uma experiência à parte, com tensas partidas de gato e rato conforme um jogador busca uma posição mais vantajosa sobre o outro. Mas em "Empire" pela primeira vez foi possível enfrentar outros amigos também na campanha, criando partidas verdadeiramente épicas que podem se arrastar por dias para os mais dedicados. A expansão "Napoleon", de 2010, se concentra nas campanhas do conquistador francês e trouxe ainda pequenas melhorias gráficas, como centenas de uniformes históricos de divisões militares para os aficionados de história. Vale notar que "Napoleon" é uma expansão 'stand alone', ou seja, não depende do jogo original para rodar.

"Shogun 2" (2011)

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Gráficos impressionantes e novos recursos marcam o retorno da série ao Japão


Quando os vídeos de "Shogun 2" começaram a ser divulgados, eles tinham o cuidado de avisar que eles foram capturados pelo próprio jogo, por que as imagens são as melhores dessa série já conhecida por forçar as capacidades gráficas.

Os generais e agentes sempre tiveram papel importante na série, mas no novo jogo o seu papel será ampliado, inclusive com opções de customização e cada facção terá bônus específicos como em outros jogos de RTS. Os sítios terão agora diversos estágios, nos quais "escalar os muros é apenas o começo" e a Creative Assembly garante que até mesmo a inteligência artificial foi feita para refletir conceitos do milenar "A Arte da Guerra", de Sun Tzu.

Mais do que um retorno simbólico às raízes de "Total War", "Shogun 2" promete ser um retorno afetivo aos fãs da franquia. Aqueles que, enquanto unificavam o Japão feudal uma década atrás, não imaginavam como a série os levaria a conflitos épicos controlando de civilizações pré-colombianas aos exércitos napoleônicos. Além de aguçar a vontade de saber quais rumos a série pode tomar nos próximos dez anos.