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Além do Jogo: Videogames e a nova forma de narrar

GUILHERME SOLARI

18/05/2011 09h30

Como os videogames usam técnicas da literatura e cinema e ainda oferecem uma nova experiência narrativa ao permitir manipular o rumo da história.

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    Assim como a narração é um artifício que o cinema trouxe da literatura, as cutcenes são um recurso que os games “importaram” da sétima arte, e têm grande destaque em títulos de pretensões cinematográficas como “Metal Gear 4”

Os seres humanos são obcecados por histórias. Elas são uma forma de preservar uma cultura, transmitir valores morais, educar ou entreter; são uma janela tanto para vivermos nossos sonhos quanto para enfrentarmos nossos pesadelos. E igualmente obcecados são os seres humanos em buscar novas formas de contar histórias.

Eis que a tecnologia nos permite ainda outra forma de contá-las, e uma que pela primeira vez integra não apenas a imaginação do receptor na história, mas as suas ações: o videogame.

Narrativa convencional

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    “L.A. Noire” é um dos jogos que mais alardearam sua ambição narrativa, lançando um e-book de contos paralelos à trama

Todo formato narrativo que nasce traz “truques” utilizados em outros, e o caso dos videogames não é diferente. Um artifício importado diretamente do cinema é incluir as tais cutcenes, nas quais o jogador senta e observa passivamente o desenrolar da história. São muito comuns como aberturas e entre estágios, mas às vezes são elevados a níveis quase absurdos. Como “Metal Gear Solid 4”, que se formos fazer a matemática de uso do tempo é tanto um jogo com cenas entre as fases, como um filme com fases interativas entre as cenas.

Estamos passando por uma onda de jogos que mostram ambição narrativa. “L.A. Noire” é um título que promete colocar em primeiro plano a ambientação, script, a atuação com captura de movimentos faciais, integração literária - incluindo o lançamento de um e-book de contos. “Alan Wake” centra a história no suspense, enquanto a série “Uncharted” é uma importação direta de um filme de ação.

“Heavy Rain” é um exemplo interessante de abordagem do problema da escolha para se veicular uma história. O jogo fica entre o adventure e um filme interativo. A experiência acontece “sobre trilhos”, o jogador tem liberdade de afetar o mundo até certo ponto – o que inclui a possibilidade de salvar determinados personagens -, mas sempre é “puxado” de volta ao caminho principal.

No entanto, a capacidade do jogador escolher o destino do protagonista ou da história nos força a repensar a própria definição convencional de narrativa. A jogabilidade não é apenas um suporte à história. Ela é a história.

Narrativa procedimental

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    O autor de “A Ilha do Tesouro” Robert Louis Stevenson desenhou um mapa e ficou semanas só imaginando as aventuras que poderiam acontecer ali antes de escrever. Algo me diz que ele gostaria de jogar “Far Cry 2”

Antes de escrever uma palavra, o autor do clássico literário “A Ilha do Tesouro”, Robert Louis Stevenson, desenhou um mapa e ficou por semanas apenas imaginando as aventuras que poderiam acontecer ali. É precisamente isso que os videogames permitem, eles fornecem um “playground” virtual no qual o jogador pode criar a sua própria história, a chamada narrativa procedimental.

Afinal, para o Houaiss “narrativa” é uma “exposição de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos mais ou menos encadeados, reais ou imaginários, por meio de palavras ou de imagens”. Nessa definição é perfeitamente possível incluir como narrativas a saga de construção de uma metrópole em “Sim City” ou o trajeto saltitante do encanador mais famoso do mundo em “Super Mario Bros.”.

Muitos desenvolvedores defendem que os jogos não são o melhor meio para se contar histórias da forma tradicional. O criador de “Sim City” Will Wright afirmou à CNN que eles são uma mídia para possibilidades e não histórias e o rei dos FPS John Carmack também já comparou a importância da história em games à de filmes pornôs: “Você espera que tenha alguma coisa, mas não é o principal”.

A interatividade traz problemas e oportunidades para a narrativa, já que o jogador se torna cúmplice de cada ação do personagem, de salvar inocentes a cometer atrocidades. Escolhas entre bem ou mal são relativamente comuns, como absorver ou não as Little Sisters em “Bioshock” e podem ser um fator central em jogos como os da série “Fable”. Mas talvez as escolhas mais interessantes sejam aquelas nas quais a linha entre bem e mal não seja clara, com diversos exemplos em “Dragon Age” ou “Fallout 3”, ou da série “The Witcher”. “The Witcher 2”, por sinal, promete oferecer uma grande variedade de escolhas sem certo ou errado.

O site Rock Paper Shotgun mostrou recentemente um belo exemplo disso em uma prévia do game feita com os desenvolvedores. Em determinado momento o jogador encontra rebeldes élficos que pedem ajuda para localizar um carregamento vital para a resistência num mundo ferrenhamente racista contra não humanos. Caso você os ajude, mais tarde você entra em uma taverna e encontra um corpo perfurado por flechas que abrem no impacto destruindo os órgãos internos, feitas especialmente para atacar camponeses. Caso você não os ajude, o sujeito que morreria acaba sendo um informante que entrega um anão importante para a trama e agora você precisa resgatá-lo da prisão.

Livros e filmes podem fazer você imaginar os sentimentos do protagonista, mas quantos podem fazer você dividir a sua culpa por suas escolhas?

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    A interatividade permite uma relação com o usuário impensável em outras mídias. Como as escolhas morais de “The Witcher 2”, que mais do que trazer vantagens à jogabilidade, determinam que facção vive ou morre