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Além do Jogo: Videogames, a indústria movida pelo 'hype'

GUILHERME SOLARI

Colaboração para o UOL

01/06/2011 09h30

A indústria dos games parece movida tanto pela expectativa quanto pelos jogos e, com a aproximação da E3, a Fantástica Fábrica de Hype funciona a todo o vapor

  • Reprodução

    Em uma demonstração de 'hypeamento' explícito, Peter Moore então da Microsoft faz o que Peter Moore faz de melhor durante anúncio em 2006 de GTA IV para o Xbox 360


Às vésperas de uma E3, o próprio ar pulsa em antecipação, repleto de promessas de clássicos instantâneos, games do ano que sequer foram jogados, títulos que elevam os videogames a um novo patamar de arte e entretenimento, promessas de consoles com avanços quânticos de tecnologia, revelações bombásticas, desenvolvedores lendários, conferências épicas. Parece que tudo o que existe precisa ficar atrelado a algum adjetivo hiperbólico.

Essa introdução devidamente "hypeada" cabe bem para a indústria dos games, que deixa as demais comendo poeira quando o assunto é divulgar como são maravilhosos seus produtos antes mesmo deles existirem.

E talvez mais impressionante seja como é fácil entramos na onda vez após vez, feito um rato de laboratório que custa a aprender mesmo depois de levar repetidos choques tentando capturar o queijo do experimento.

O trailer de "Dead Island" divulgado em fevereiro foi recebido com assombro pelos gamers. É um vídeo de raro impacto narrativo, poucas vezes encontrado nos games e arrisco dizer que até no cinema, considerando que tem pouco mais do que três minutos. As redes sociais se encheram de comentários de pessoas enlouquecidas para jogar esse tal "Dead Island". Eu também embarquei na onda.

Mas depois a poeira baixa e os desenvolvedores falam que não tem criança nenhuma no jogo, que o trailer não foi criado pelo mesmo estúdio e, detalhe que devia ser mais lembrado, não vemos nada da jogabilidade! Vimos um curta muito bom, mas nada de jogo. Talvez o título até seja bom, mas como viciados em relacionamentos destrutivos, insistimos em "nos apaixonar" por esses jogos que vêm com conversinha pra cima de nós.

Quando o hype sai pela culatra

Há dez anos eu desembolsava meu rico dinheirinho para comprar um computador novo. Tudo por causa da conversinha do Peter Molyneux.

O objetivo era poder finalmente jogar “Black & White” depois de babar lendo as prévias ao longo de anos. A própria imprensa de games parecia hipnotizada, com uma enorme cobertura de prévias e diários de desenvolvimento para o jogo que prometia uma liberdade nunca antes vista com o jogador no papel de um deus capaz de manipular qualquer objeto e ensinar a enorme criatura que o representava no mundo.

A euforia coletiva era tamanha que o jogo até mesmo foi blindado pelo hype em um primeiro momento, colecionando resenhas entusiasmadas e eu também embarquei na onda. Com o passar do tempo, no entanto, as falhas no jogo de grande potencial se tornaram mais evidentes. Havia uma quantidade enorme de micro gerenciamento e a inteligência artificial não era tudo aquilo que foi prometido. Passei bom tempo tentando em vão ensinar o meu tigre a não defecar em cima do templo ou comer aldeões como se fossem salgadinho. Sites como Gamespy e IGN chegaram depois a incluir "Black & White" entre os títulos mais supervalorizados da história dos games.

  • Divulgação

    "Spore", o título tão hypeado que até o criador Will Wright tentou baixar sua bola

Outro hype lendário foi a que cresceu em torno de "Spore", título que prometia ser um "simulador de tudo" acompanhando a vida de organismos unicelulares à exploração espacial. Outra vítima da própria ambição, terminou mais como uma coletânea de jogos medianos. E eu também tinha entrado na conversinha.

O título do criador de "Sim City" Will Wright chegou a sair do mundinho dos games e teve prévias no NY Times, - que depois classificaria o título de "a decepção do ano" - Newsweek e Times. Quanto maior a expectativa, mais difícil é bancar a promessa, e o próprio Wright tentou desinflar o bolha de "Spore" antes do lançamento, talvez já prevendo o que vinha pela frente. "Eu acho que é hype demais," ele admitiu à The Escapist Magazine em 2008, um mês antes do lançamento do game. "Quando o jogo sair alguns vão ficar desapontados que não é 'hardcore' o bastante ou que não é fácil o suficiente, que a gente não fez isso ou aquilo. Chegamos ao ponto que mais hype não está ajudando".

O Duke

"Daikatana", "Enter the Matrix"; a breve história dos games foi pavimentada sobre os corações partidos de jogadores pelo caminho. Mas não precisamos olhar para o passado para ver o hype em pleno funcionamento. Em um mundo onde o exagero pré-lançamento é casual, um gigante paira sobre os demais.

"Duke Nukem Forever" é um caso de hype ganhando vida própria e se tornando parte da personalidade do personagem, o que só ajuda a catalisar o seu carisma canastrão. A desenvolvedora Gearbox soube muito bem usar a improbabilidade do lançamento do título. O próprio herói brinca falando que o jogo é bom, mas que “depois de 12 anos precisa ser mesmo” já disse o próprio loiro anaboliza, e cada novo trailer divulgado só infla a bolha de ansiedade dos fãs que cresce a 14 anos.

 

Independente do resultado final, "Duke Nukem Forever" é provavelmente um título à prova de análises e resenhas. Muitos colegas do UOL Jogos chegam a falar – meio brincando, como sempre é apropriado quando o assunto é o Duke - que pretendem comprar o jogo quase que pelo valor histórico. Eu, que passei metade da minha vida acompanhando prévias e promessas, não posso deixar de concordar. Para um dia talvez entediar os meus netinhos dizendo que “eu estava lá!” quando “Duke Nukem Forever” foi lançado. Olha eu também entrando na conversinha mais uma vez.

E você, qual foi o jogo que você mais entrou no hype pré-lançamento? Qual foi o que mais partiu o seu coração? Contribua aí nos comentários para a gente chorar junto.

A coluna opinativa Além do Jogo trata do impacto dos videogames no chamado mundo real. Publicada às quartas-feiras no UOL Jogos.