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Além do Jogo: A força do conteúdo gerado pelo usuário

GUILHERME SOLARI

Colaboração para o UOL

22/06/2011 09h30

Os mods podem tornar irreconhecível a experiência original de um jogo, ampliar vida útil e diversão, e consoles também começam a acordar para essa possibilidade

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    Modificação que inclui gravidez em “The Elder Scrolls III: Morrowind”. Sim, alguém criou.

“George Lucas deveria ter distribuído o ‘código fonte’ de Star Wars. Milhões de fãs poderiam criar os seus próprios filmes e histórias. A maioria seria terrível, mas alguns poucos seriam geniais”.

Gabe Newell, co-fundador da Valve

Assim que botei os pés virtuais dentro de “Elder Scrolls III: Morrowind” me deslumbrei com o enorme mundo aberto repleto de detalhes a explorar, mas senti falta de um elemento de sobrevivência como fome, sono e sede. Imagina só como seria bacana ter que caçar alguns bichos para sobreviver!

Pois fuçando por aí achei uma modificação (mod) que fazia precisamente isso, e outra que adicionava uma casa completa com estufa e laboratório alquímico, outra que melhorava as texturas de rostos, armas e armaduras, outra que criava um sistema de produção de venenos, outra que tornava a fauna mais realista, outra que trazia novos sons para as noites na floresta, outra com uma ilha inteira a ser explorada, outra que permitia fabricar centenas de itens novos – de vasos a mobília – outra que trazia novos livros, outra que introduzia gigantes. Tudo criado pelos usuários.

“Quanto a liberar nossas ferramentas como no PC, nós adoraríamos ver os mods nos consoles, porque nossos usuários fazem modificações impressionantes,” disse o produtor da série “The Elder Scrolls” Todd Howard ao site Game Informer. “São tão geniais e criativos e acho que é isso que define as nossas versões de PC. De muitas formas essa vira a versão superior porque ela vira um sistema de RPG, não só um jogo”.

De tanto ‘tunar’ o meu “Morrowind” ele ficou irreconhecível da experiência original e isso foi o que me fez enxergar a força que um título com uma boa comunidade de modders pode ter. Nem todo perfil de jogador quer ficar experimentando em literalmente mudar as regras do jogo, e não há nada de errado com isso, mas essa opção permite aos dedicados ampliarem exponencialmente o potencial de um jogo e dar ideias aos desenvolvedores para futuras edições.

Os primórdios dos mods na era “Doom”

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    Valve: apoio ao conteúdo do usuário replicou suas obras-primas da série “Half-Life” em outras como “Counter-Strike”, “Team Fortress” e “Day of Defeat”.

A postura do programador de “Doom” John Carmack - contrário à ideia de patentear processos técnicos e um dos precursores do discurso sobre software livre - e a liberação das ferramentas de modificação e criação de níveis dos games da id foi indispensável para a formação das primeiras comunidades de modders.

“É assustadora para mim a ideia de que eu possa ser apresentado com um problema, buscar formas lógicas de solucioná-lo com as ferramentas que tenho em mãos e terminar com um programa que legalmente não possa usar porque alguém já seguiu os mesmo passos lógicos alguns anos atrás e registrou uma patente”, disse Carmack. E a mesma liberdade se extrapolou ao incentivo à criação de fases do clássico.

Mas foi a Valve de Gabe Newell que talvez melhor tenha conseguido canalizar a força do conteúdo criado pelo usuário em proveito próprio e também dos gamers. Newell trabalhou na Microsoft antes de criar a Valve em 1996 e aprendeu uma valiosa lição com seu ex-chefe: “O sucesso no software vem de conseguir que desenvolvedores de fora façam programas que ajudem a vender mais cópias do seu”.

Esse é o princípio por trás do incentivo da Valve na divulgação de ferramentas para a comunidade de usuários produzir mods e conteúdo próprio. Uma filosofia que magicamente replicou as obras-primas da série “Half-Life” em outras como “Counter-Strike”, “Team Fortress” e “Day of Defeat”.

Consoles: bons para jogar, nem tanto para criar

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    Editor de missões em “Halo: Reach” e “InFamous 2” e títulos dedicados como “Little Big Planet” são as opções nos consoles, mas monitoramento o conteúdo emperra a inovação.

O grande problema de distribuição de mods nos consoles é que, enquanto a internet é uma “terra de ninguém” na qual qualquer um pode fazer uma modificação pornográfica ou que infrinja direitos autorais, as redes dos consoles são ambientes controlados. “O conteúdo precisa ser muito mais seguro de certa forma e monitorado de uma forma que não acontece no PC,” disse Howard. “Gostaríamos muito de encontrar uma forma de solucionar isso. É uma parte excelente dos nossos jogos que muito do nosso público não tem contato.”

A Sony é quem mais se beneficiou nesse sentido com títulos do PlayStation 3 como “LittleBigPlanet” e “Modnation Racers”, que geraram milhares de criações, muitas de criatividade impressionante e ampliaram em muito a vida útil dos títulos. “inFamous 2” também traz um robusto criador de missões que podem ser trocadas entre os jogadores. A franquia “Halo” também fez bom uso dos editores de fases e a última edição “Halo: Reach” se mostrou muito mais ambiciosa, fornecendo um mundo inteiro para ser modificado à vontade no Mundo Fornalha. Mas, infelizmente, os consoles ainda patinam em comparação aos computadores quando o assunto é conteúdo criado pelos usuários.

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    “Os mods tornam as versões de PC de nossos jogos superiores às de consoles,” disse o produtor de “The Elder Scrolls” Todd Howard. “Skyrim” no computador vai ser a escolha para quem gosta de mexer debaixo do capô do game.

Isso se torna notório em jogos como “Fallout New Vegas”, no qual os jogadores de console podem apenas babar frente às modificações disponíveis aos colegas de PC; desde mudanças visuais como novas roupas e efeitos meteorológicos até mudar o sistema de construção de itens, posição da câmera em terceira pessoa, novas estruturas, NPCs, perks e muito mais. O mesmo acontece com “GTA IV”, “Deux Ex”, “Doom III” e inúmeros outros.

Mas além do benefício de mais conteúdo aos jogadores, talvez o mais interessante dos mods seja como eles estimulam uma postura criativa na indústria do entretenimento. Videogames são a mídia da interatividade, das escolhas e ação no lugar da passividade de se receber uma experiência quase pronta para consumo. A possibilidade de fornecer ferramentas para que os jogadores joguem fora do próprio jogo é outra amostra do potencial dos games de fazerem coisas que nenhuma outra mídia faz.

E você, costuma usar modificações nos seus jogos e quais são as suas favoritas? E aos usuários de consoles, sentem falta dos mods? Faça o favor de dividir seus pitacos conosco aí nos comentários.

A coluna opinativa Além do Jogo trata do impacto dos videogames no chamado mundo real. Publicada às quartas-feiras no UOL Jogos.