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Além do Jogo: O culto à personalidade dos desenvolvedores

GUILHERME SOLARI

Colaboração para o UOL

20/07/2011 09h31

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    Se um publicitário pensasse com uma pessoa ideal para representar o Xbox 360, ele não imaginaria alguém melhor do que Cliff Bleszinski, produtor de "Gears of War".

“Eu era apenas um funcionário.”

Toru Iwatani, criador de Pac-Man

Se um publicitário pensasse com uma pessoa ideal para representar o Xbox 360, ele não imaginaria alguém melhor do que Cliff Bleszinski, produtor de "Gears of War". Ele é jovem, polêmico, bem-sucedido e posta corriqueiramente no twitter fotos de sua namorada de biquíni; perfeita figura para personificar uma série que transborda testosterona como “Gears”.

O quanto é certo pensarmos apenas nele como sinônimo da série quando ela é resultado do trabalho colaborativo de dezenas de pessoas? E mais, o quanto essa imagem do desenvolvedor popstar é estimulada espertamente pelo marketing?

“Só um funcionário”

Na década de 70, desenvolvedores individuais não eram reconhecidos pelos títulos que criavam para a Atari. Jogos que geravam dezenas de milhões de dólares no Atari 2600 eram feitos por programadores que sequer tinham seu nome atrelado ao game. Isso em uma época na qual a criação de um jogo era praticamente tarefa de um homem só, que sozinho programava, fazia a arte e testava o game.

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    O criador de "Pitfall!" David Crane foi um dos precursores pela busca de reconhecimento quando a Atari ficava com todo o crédito pelos games.

O programador David Crane, que criaria “Pitfall!” anos mais tarde, e outros programadores pediram reconhecimento autoral para a diretoria da Atari e foram negados. Eles resolveram então se desligar da empresa e formar a Activision em 1979, o primeiro estúdio independente de desenvolvimento e distribuição de videogames.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, um jovem funcionário da Namco chamado Toru Iwatani teve um momento “eureka” ao retirar um pedaço de uma pizza. Foi ali que ele imaginou o que se tornaria um dos personagens mais populares da história dos videogames: Pac-Man. O personagem geraria alguns bilhões de dólares só na venda de gabinetes de fliperama, outros bilhões em fichas, além de uma infinidade de sequencias, séries paralelas e produtos licenciados.

E apesar do sucesso, Iwatani mantém uma simplicidade semelhante à de sua criação. “Não houve recompensas pelo sucesso de “Pac-Man”. Eu era apenas um funcionário,” ele disse ao site Gamasutra. “Não houve mudanças em meu salário, ou bônus, ou citações oficiais. Portanto eu não comprei nada para mim, e não é meu estilo comprar algo para mim de qualquer forma”.

Outro momento “só um funcionário” pôde ser presenciado no “Sonic Boom”, evento durante a E3 2011 que comemorava os 20 anos do porco-espinho da Sega. Lá via-se chapéus roxo-pontiagudo em cada cabeça e amantes da franquia até onde a vista alcançava. E enquanto os fãs discutiam a preferência pelo Sonic raiz mais gordinho ou a versão magra mais modernosa, poucos percebiam a presença de um tímido japonês encostado em um canto. Um japonês chamado Yuji Naka. Um dos criadores originais de Sonic, que parece estar meio esquecido entre os novos fãs mesmo que o pessoal das antigas ainda o reverencie. Representantes de uma era anterior à de desenvolvedores de maior presença midiática.

Nos bastidores

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    O nome “Sid Meier” pode ser o que estava estampado no título, mas o principal responsável pelo aprimoramento da fórmula em títulos em “Civilization 2” e “Alpha Centauri” foi Brian Reynolds.

Sid Meier foi o idealizador do “Civilization”, mas o que pouco se discute foi como seu papel foi mais de consultoria nos jogos seguintes da série. O nome “Sid Meier” pode ser o que estava estampado no título, mas o principal responsável pelo aprimoramento da fórmula em títulos como “Civilization 2” e “Alpha Centauri” foi Brian Reynolds.

Existem muitos outros casos de desenvolvedores que ajudaram a definir a indústria dos videogames “da surdina”, poucos mais marcantes que o de Chris Avellone. Você pode estar se perguntando “Chris quem?!”, mas saiba que se você gosta de RPGs você provavelmente tem uma dívida com ele.

Avellone foi um dos definidores do formato do RPG ocidental, trabalhando no enredo e design de algumas das melhores séries narrativas do gênero como “Baldur’s Gate”, “Fallout”, “Knights of the Old Republic” e “Neverwinter Nights”. Ele ainda escreveu a maior parte da história de “Planescape Torment” – certamente uma das melhores que já apareceram nos videogames – e criou a “Fallout Bible”, uma coletânea de documentos de desenvolvimento que definiu o cânone da série, mostrando os bastidores da pesquisa dos desenvolvedores, a linha do tempo oficial da série e respondendo perguntas dos fãs. Hoje ele está quietinho na Obsidian trabalhando nas expansões de “Fallout New Vegas”, e poucos sequer sabem a extensão de suas contribuições.

O estúdio como uma grife

Talvez um dos principais motivos para o esquecimento de Avellone seja a postura da Bioware de enfatizar a marca o estúdio ao invés dos desenvolvedores. Característica que faz parte também da estratégia de estúdios como a Rockstar.

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    O cofundador da Rockstar Sam Houser não imaginou a imagem do estúdio como a de outros desenvolvedores de games, mas como a de um selo musical.

Com um passado trabalhando na indústria fonográfica, o cofundador da Rockstar Sam Houser disse não ter concebido a imagem do estúdio da série “Grand Theft Auto” como um estúdio de games propriamente, mas como um selo musical. Enquanto a indústria ainda lembrava meros brinquedos tecnológicos, Houser vislumbrava uma marca “cool”, se espelhando na gravadora pioneira de hip-hop DefJam records.

Por esse motivo, ele e seu irmão Dan Houser costumam ser bem arredios frente aos holofotes, concedendo raras entrevistas e preferindo expor a marca Rockstar no front midiático. E quando falam sobre “GTA”, costumam enfatizar a equipe, a Rockstar North, ao invés de se posicionarem como representantes da série. A Blizzard é outro exemplo de um estúdio que usa seu nome como grife ao invés de colocar desenvolvedores individuais no primeiro plano.

Longe de querer diminuir o impacto desses desenvolvedores ou de qualquer outro para a indústria dos videogames, em um momento no qual o estilo de desenvolvedor popstar se torna cada vez mais comum, quem sabe vale a pena pensar que muitas mais pessoas são responsáveis pelos jogos que tanto gostamos.

A coluna opinativa Além do Jogo trata do impacto dos videogames no chamado mundo real. Publicada às quartas-feiras no UOL Jogos.