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Ouya empolga com proposta ousada, mas conseguirá se tornar realidade?

Akira Suzuki

Do UOL, em São Paulo

20/07/2012 12h01


Poucos assuntos foram tão comentados nos últimos anos que o Ouya, um console movido a Android - sim, aquele dos celulares e tablets - e que custa US$ 99. A proposta veio ao encontro de um público esperançoso por um rompimento da tradição, de um mercado já dominado há dez anos pelos mesmos 'players': Sony, Microsoft e Nintendo.

Até o momento, 40 mil usuários estão apoiando o projeto com mais de US$ 5 milhões, através do Kickstarter, o mais famoso site de 'crowdfunding', que está mudando o jeito que os projetos são financiados.

Dino Patti, executivo-chefe da Playdead (de "Limbo"), resume o entusiasmo das pessoas pelo Ouya. "Pessoalmente, como consumidor, adoraria ter um console compacto e 'hackeável', com um catálogo digital e acessível de jogos de qualidade. Amo a experiência que se tem numa tela grande, seja com um controle ou com um mouse e teclado. Acho que nenhuma experiência de mobile chegou perto de qualquer experiência que tive com meus PCs ou consoles", afirmou ao site Edge.

Raio X do Ouya

O que é?

Um console de US$ 99 feito com componentes usados geralmente em celular, mas feito para jogar na TV e com um controle
Como é esse controle?

O formato lembra o do Xbox 360, com quatro botões principais, quatro gatilhos, um direcional digital e dois analógicos. Além disso, tem uma área sensível ao toque no centro
Quando sai o console?

Está previsto para março de 2013.
Que jogos estarão no Ouya?

Por enquanto, o único game confirmado para o Ouya é "Human Element", que contará, em episódios, eventos do game homônimo a ser lançado para PC e consoles de próxima geração em 2015.

Além disso, imagens e vídeos de divulgação sugerem os seguintes títulos:

• Canabalt
• Dead Trigger
• Madden NFL 12
• Minecraft
• Racing Live
• Samurai II: Vengeance
• Shadowngun
• Triple Town
Quem está por trás do projeto?

Nomes respeitados trabalham no Ouya, como Ed Fries, que teve papel relevante no sucesso do Xbox, Muffi Ghadiali, engenheiro que trabalhou no Kindle, e Yves Béhar, designer do Jambox, um alto-falante sem fio, e do computador do projeto Um Laptop por Criança.
Plataforma aberta? Como assim?

A fabricante do Ouya diz que o usuário está livre para modificar o dispositivo e criar novos periféricos. Além disso, fazer "root" no Android e ter maior controle sobre o sistema não invalidará a garantia.
Qual a especificação do Ouya?

Será equipado com um Tegra3 de quatro núcleos, da nVidia, um processador usado normalmente em celulares e tablets. Tem 8 GB de RAM, 8 GB de armazenamento interno e portas para HDMI, rede e USB. Possui conectividade Wi-Fi e Bluetooth.
Jogos gratuitos? É isso mesmo?

O Ouya determina que todos os jogos devem ter pelo menos uma demonstração gratuita. A produtora fica a cargo de decidir o modelo de negócios: totalmente gratuito, 'freemium' e assinatura são algumas opções.

Experiência de TV

O Ouya chega num momento interessante. Tradicionalmente, o mercado de consoles é fechado, quase impenetrável, mas que agora pode sofrer um chacoalhão com a entrada da Apple com seu novo Apple TV, que vai permitir jogar games de iPhone e iPad numa televisão. Além disso, a Samsung planeja um dispositivo similar movido a Android.

A ideia do Ouya não é levar games de Android feito para celulares ou tablets para jogar na TV, embora isso seja possível, mas ter games próprios para ser jogado com um controle e numa tela grande. Não é só o sistema operacional do Ouya que vem dos celulares, mas também seu hardware é baseado em componentes de aparelhos móveis.

Mas a proposta não é parecida com a do Zeebo, que foi lançado em 2008 e durou apenas três anos? Aliás, a história está cheio de casos de fracassos e até mesmo de aparelhos que nunca viraram realidade (é você mesmo, Phantom). A favor do Ouya, pesa o fato de usar um sistema bem difundido e uma especificação que, embora não seja páreo para os videogames de ponta, é capaz de rodar games elaborados.

"Dead Trigger", um game de tiro em primeira pessoa para iOS e Android, poderia se passar por um jogo de PSN ou Xbox Live. Aliás, esse é um dos games que podem aparecer no console. "Nossos jogo funcionarão tão bem numa TV. Só precisamos uma maneira fácil de fazer isso, e o Ouya pode conseguir", afirmou Marek Rabas, da produtora Madfinger Games.

Trailer de "Dead Trigger"

  • "Dead Trigger" é um dos possíveis jogos do Ouya

     

Consultoria

  • Divulgação

    Ed Fries teve importante papel na aquisição de produtoras para trabalhar em games para o primeiro Xbox e agora assessora o desenvolvimento do Ouya


Time de estrelas

Gente bem experiente trabalha no Ouya, como Ed Fries, que teve papel relevante no sucesso do Xbox, Muffi Ghadiali, engenheiro que trabalhou no Kindle, e Yves Béhar, designer do Jambox, um alto-falante sem fio, e do computador do projeto Um Laptop por Criança. São nomes de peso que dão mais credibilidade para o Ouya.

E tem muito mais apoiadores para o projeto: de Brian Fargo ("Wasteland") e Jordan Mechner ("Prince of Persia") a estrelas da cena independente, como Jenova Chen, Adam Saltsman e David Edery, criadores de "Flower", "Canabalt" e "Triple Town", respectivamente. Não custa lembrar que os jogos independentes nunca estiveram tão em evidência como agora.

Teste de realidade

No entanto, tem muita gente que divida que o Ouya possa cumprir suas ambições. Quem diz isso é ninguém menos que Craig Rothwell, um dos criadores do portátil Pandora, que, anunciado para 2007, sofreu muitos atrasos e até hoje tem distribuição limitada. "Não dá para fazer um console de qualidade e um controle por US$ 99 (...) Nem as linhas de produção da China, com seus funcionários semiescravos, não vão conseguir chegar aos US$ 99 com essa especificação", afirmou Rothwell ao site GamesIndustry.

Ricky Haggett, cofundador da Honeyslug ("Kahoots"), também lança dúvidas ao preço do videogame. "Não tenho certeza se eles conseguirão fazer o protótipo e depois produzir o 'Stradivarius dos controles', mesmo com o montante que eles levantaram", disse ele ao site da Edge. Muffi responde que basta ver na internet que dispositivos com os mesmos componentes podem ser construídos por bem menos que US$ 99, sem dar exemplos.

As dificuldades não param aí: há também o desafio de chegar à massa crítica, ou seja, ter uma quantidade suficiente difundido no mercado para que possa ser sustentável. "isso cria uma situação da galinha e do ovo. As produtoras criarão games para esse dispositivo antes de se tornar popular? As pessoas comprarão antes de ele ter bons games? E, quando eu digo bons games, não estou me referindo de jogos que já existem para Android sendo colocados numa TV", observa Dino Patti. Por enquanto, a maioria dos games são exatamente isso, mas o Ouya já tem pelo menos um título exclusivo: episódios que antecedem "Human Element", do estúdio de Robert Bowling, ex-Infinity Ward ("Call of Duty").

A produtora brasileira Doubleleft adota um discurso de cautela. "O Ouya é mais uma via de distribuição, provavelmente bem similar ao mobile e com bem menos burocracia que os consoles tradicionais. Empresas que desenvolvem jogos para Android, como nós, terão a oportunidade de apostar nesse modelo. Logo após o lançamento do Ouya, ele será com certeza pauta das reuniões sobre nossos próximos projetos", pondera Alexandre Souza, diretor de criação da companhia.

David Braben, cofundador da Frontier Developments ("LostWinds") e The Raspberry Pi Foundation, que fabrica computadores básicos de até US$ 35, coloca essa e outras questões. "Qualquer plataforma vai sobreviver ou morrer dependendo do apoio ou comunidade que se forma ao seu redor - isso será a chave. Um problema com modificação e 'hacking' é que resultará numa comunidade fragmentada que é difícil de atender, e muitos poucos vão pagar de fato - mesmo que seja gratuito para jogar -, então, os desenvolvedores podem achar que isso é difícil de sustentar", opina.

Interface

  • Divulgação

    A tela do Ouya lembra a 'dashboard' da Xbox Live e mostra alguns dos potenciais games


Console novo, velhos fantasmas

Pirataria está se tornando um assunto sério no mercado de jogos para celulares. Ser um dispositivo aberto, com liberdade para fazer "root" no sistema, implica em permitir rodar aplicativos pirateados. Julie Uhrman, executiva-chefe do Ouya, disse ao site Kotaku que, embora seja uma plataforma aberta, todos os conteúdos precisarão ter os pagamentos autenticados pela própria companhia. Isso não impediu que aplicativos do Google Play ou da App Store fossem pirateados e distribuídos livremente em sites de compartilhamento de arquivos.

Particularmente, gostaria que o Ouya fosse o console sempre ligado, como são os celulares. Não há nada mais chato que esperar um console ficar pronto para jogar, entre ligar e carregar os dados (isso se não aparecer uma atualização ou instalação obrigatórias). Os desafios do Ouya são enormes, e uma boa linha inicial de jogos será vital para o console.

O início dessa aventura está marcado para março de 2013, se nada de errado acontecer. Torço muito para que dê certo.