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Especial: Com isenções e incentivos fiscais, Canadá vira polo de games

Théo Azevedo

Do UOL, em Montreal, Toronto e Vancouver*

15/04/2013 10h07

Dos dez jogos mais vendidos em 2012, segundo o NPD, dois vieram do Canadá: “Assassin’s Creed III” e “FIFA 13”. Graças às políticas de incentivos fiscais de estados como Quebec e Ontario, que podem chegar a 40%, somadas a outros fatores como um forte fomento à cultura digital, nos últimos anos o país atraiu dezenas de desenvolvedoras de games, incluindo Ubisoft, Electronic Arts e Eidos.

“No Canadá o videogame é parte da cultura”, explica Alain Tascan, veterano da indústria local – ele fundou os estúdios de Ubisoft e EA na cidade de Montreal. “Há muito talento jovem por aqui, além de boas universidades e uma cultura que concilia arte e tecnologia”, completa. Com governo, indústria e academia trabalhando em sinergia, os resultados logo começaram a surgir.

NÚMEROS DA INDÚSTRIA DE GAMES NO CANADÁ

348 empresas*
16.000 empregos diretos
maior país em número de funcionários
US$ 1,7 bilhão em faturamento
*Pesquisa da ESA Canada publicada em 2012

Mas são mesmo os incentivos fiscais que fazem a diferença na hora de fechar as contas: no estado de Quebec, onde está Montreal, cerca de 30% do dinheiro pago em salários retorna às empresas – a fatia pode chegar a 37,5% caso a obra em questão seja produzida no idioma francês.

“É claro que não podemos contar com isso [incentivos fiscais] para sempre, mas como executivo você quer os melhores talentos pelo melhor preço”, explica Tascan. O executivo estava lá em 1997, na fundação da Ubisoft Montreal, considerado o pontapé inicial no processo de atração de empresas de games para o Canadá. Hoje o estúdio, que recentemente lançou “Assassin’s Creed III” e “Far Cry 3”, conta com 2.100 funcionários.

Há até mesmo uma ferrenha “competição” entre certos estados pelas empresas de games: os incentivos fiscais de Ontario, onde fica Toronto, são de 40% e se aplicam não somente aos salários, mas também às áreas de marketing e distribuição. A oferta agressiva atraiu a Rockstar, que mudou para Toronto, deixando para trás Vancouver, que fica no estado de British Columbia e oferece “apenas” 17,5% de crédito em despesas com salários.

Transmídia

O país também se tornou atraente para produtoras de menor porte ou independente graças a iniciativas como o Canada Media Fund (CMF), criado pelo governo local com o objetivo de financiar projetos inovadores, especialmente do gênero “transmídia”, ou seja, que utilizam múltiplas plataformas de comunicação – internet, TV, celular etc.

Desde 2009, quando o fundo foi criado, mais de US$ 375 milhões foram utilizados para financiar cerca de 90 projetos.

"Trabalhei com games no Brasil por dez anos. Em 2008 decidi tentar sair do país e a EA se interessou pelo meu currículo. Vancouver é conhecida por ter um dos melhores índices de desenvolvimento humano do mundo, o que faz a qualidade de vida ser muito boa por aqui. É também uma cidade muito acolhedora com estrangeiros: fiz amigos e me adaptei rapidamente. Há muitos europeus e alguns sul-americanos no time de desenvolvimento do 'FIFA', com uma cultura bem forte tanto de futebol quanto de videogames, então nos identificamos bastante. O parte ruim é o clima, pois chove muito em certas épocas do ano, além de nevar e fazer bastante frio no inverno."

- Gilliard Lopes, 31 anos, produtor dos games da série "FIFA" na EA Vancouver

"Se o projeto falhar a empresa não tem que devolver o dinheiro", conta Cheryl Barker, que coordena o comitê de auditoria do CMF. Esta tolerância ao erro, na verdade, tem como objetivo impor poucas barreiras à inovação em busca daquela empreitada que, enfim, vai acertar a mão e garantir retorno financeiro.

Especialmente na TV, há conteúdo financiado pelo CMF que, focado no público local, acaba restrito ao próprio Canadá. Os games, porém, têm apelo global: localizada em Montreal, a Red Barrels, por exemplo, conseguiu US$ 1 milhão do CMF para desenvolver "Outlast", um "survival horror" para PC que vai explorar o medo dos jogadores. No game não é possível eliminar os inimigos, sendo necessário esconder-se deles ou então evitá-los.

“Quando cheguei ao Canadá imaginei que fosse trabalhar na minha área original, que era o cinema. Acabei conhecendo Vander Caballero e, para minha sorte, a Minority estava precisando de mais um produtor. Viver em Montreal é uma delícia. Essa cidade é pacifica, acolhedora, multicultural, tolerante e organizada, sem perder a espontaneidade. Nunca me arrependi de ter me mudado para cá. Trabalhamos muito forte para sermos capazes de produzir na qualidade que ansiamos. Amo o que faço e a Minority pra mim é um lugar de trabalho, amizades e sonhos. Sempre gostei de trabalhar com pessoas excelentes e aqui encontrei isso!”

- Tali Goldstein, 27 anos, produtora da Minority

Seja por incentivos fiscais, seja pelas oportunidades de financiamento através do governo, o Canadá conseguiu em pouco mais de uma década estabelecer um ecossistema completo para a indústria de games, que funciona para grandes empresas como Ubisoft e EA, mas também para estúdios menores, como a Minority (“Papo & Yo”), e para empresas de atuação mais focada, como a Game on Audio, que faz captura de movimentos e trilha sonora de jogos como o próximo “Thief”.

Se o Canadá vai conseguir rivalizar com os Estados Unidos somente o tempo dirá, mas o modelo atual já faz o país mais atraente para empresas de games que França e Inglaterra, por exemplo. E aponta caminhos para potenciais polos como o Brasil, mostrando que quando indústria, governo e academia trabalham integrados, os resultados podem ser fantásticos.

*O jornalista viajou a convite do Consulado do Canadá