Topo

Jogos grátis podem sair caro: conheça as armadilhas dos jogos free-to-play

Pedro Henrique Lutti Lippe

Do UOL, em São Paulo

04/04/2014 17h32

Envolver-se com um jogo gratuito às vezes pode sair bem caro.

Disponíveis nos mais diversos formatos, para praticamente qualquer plataforma com uma conexão com a internet e cobrindo uma enorme quantidade de gêneros, títulos 'gratuitos para jogar' hoje atuam em um mercado extremamente competitivo. A concorrência está por todos os lados: nos computadores, nos celulares, nos consoles, no Facebook - e por aí vai.

A resposta de grande parte das produtoras para esse conflito é entrar na busca pela mecânica viciante perfeita. Prendendo a atenção dos jogadores de alguma forma, as empresas garantem que eles não gastarão seu tempo livre em outro gramado.

E é aí que nasce o perigo. Em pouco tempo, um passatempo gratuito descompromissado pode transformar-se em um buraco na carteira.

OS JOGOS MAIS RENTÁVEIS PARA iOS E ANDROID

JogoMicrotransações
"Clash of Clans"Pacotes de 'pedras' custam entre US$ 5 e 100.
"Candy Crush Saga"'Power-ups' diversos custam entre US$ 1 e 2.
"Hay Day"Pacotes de 'diamantes' custam entre US$ 1 e 100.
"Farm Heroes Saga"Pacotes de 'barras de ouro' custam entre US$ 1 e 110.
"Dragon City Mobile"Pacotes de 'gemas' custam entre US$ 1 e 100.
"Top Eleven"Pacotes de 'tokens' custam entre US$ 1 e 100.
  • Os jogos listados como 'mais rentáveis' na AppStore e na Google Play são todos gratuitos.

Moby Dick

Estúdios que trabalham com games gratuitos também têm contas a pagar. Alguns subsidiam seus esforços com anúncios nos jogos, mas o caminho mais comum escolhido por eles rumo à lucratividade é o das microtransações.

Em traços gerais, o sistema funciona assim: para jogar, um fã não paga nada. Pouco tempo após ser introduzido às mecânicas do passatempo, porém, ele também é apresentado à lojinha de 'opcionais'. Incrementos de poder, itens mais poderosos, carros mais velozes, impulsos para pontos de experiência - todos exemplos de 'extras' que podem ser obtidos com dinheiro real.

'HIGH-ROLLERS'

  • Em 2012, o site Wired publicou um artigo que popularizou o termo 'baleias'. Ele contava a história de Lee, um empresário californiano com seus 42 anos que gastava milhares de dólares por mês com "Clash of Clans". Os gastos dsses poucos, porém dedicados jogadores são suficientes para manter vivos games gratuitos para milhões de pessoas.

Justificando a existência de tais lojinhas, as produtoras sempre defendem-se dizendo que todas as microtransações são opcionais. E são. Mas falta admitir que a maioria esmagadora dos jogos 'free-to-play' são pensados e construídos especificamente para tentar convencer o fã a colocar a mão no bolso.

Em alguns casos, quem não paga fica em desvantagem, e não consegue competir contra quem é adepto às microtransações. Em outros, torna-se praticamente impossível avançar pela história tendo no arsenal apenas itens obtidos de maneira gratuita.

As empresas explicam: a maior parte dos jogadores não paga. Mas uma pequena parcela sim - e pagam muito. Em sua própria nomenclatura, elas chamam estes que não têm medo de colocar a mão no bolso de 'baleias'. E, encarnando o Capitão Ahab, criam experiências com o intuito de caçar essas baleias.

"PLANTS VS. ZOMBIES 2" É GRÁTIS... MAS NEM TANTO

  •  

A ilusão de gratuidade

O russo Victor Kislyi é CEO da Wargaming, empresa conhecida pela produção de um jogo gratuito de batalhas entre tanques de guerra chamado "World of Tanks". Em entrevista ao site GameSpot, ele admitiu: "75% dos nossos usuários nunca nos pagaram um centavo". Ainda assim, o jogo foi o quarto com maiores rendimentos oriundos de microtransações em 2013, de acordo com o SuperData.

SEM LIMITES

  • "Real Racing 3" é grátis. Para correr em um Koenigsegg Agera R no game, porém, um jogador tem duas opções: desembolsar cerca de US$ 50, ou então participar de muitas, mas muitas corridas sem gastar um tostão em qualquer outra coisa. US$ 50 por um carro virtual. O pior: ele costumava custar o dobro. Tudo bem que a versão real do bólido custa por volta de US$ 1,7 milhão, mas vamos com calma.

O crescimento do modelo 'free-to-play' nos últimos anos demonstra que, ao menos a curto prazo, ele é sustentável. E sua existência não é um problema por si só. Mas, em alguns casos curiosos, o jogador pode acabar perdendo dinheiro com um título gratuito.

Veja o exemplo de "Plants vs. Zombies 2". Gratuito para smartphones e tablets, ele obtém renda para a Electronic Arts através de microtransações - diferente de seu predecessor, que era um pacote fechado por um preço fixo. Hoje, o "Plants vs. Zombies" original custa US$ 1 e também tem compras opcionais, mas todas as unidades jogáveis podem ser liberadas sem que um centavo a mais seja gasto. Já em "Plants vs. Zombies 2", é preciso desembolsar US$ 24 para destravar todas as unidades. Um fã não precisa pagar por todas elas. Mas o fato é que, apesar de ser promovido como 'gratuita', a sequência é muito mais cara que a versão original.

Muitas vezes, a promessa de um game 'grátis' não passa de uma ilusão. Outro jogo da EA, "Dungeon Keeper", também serve como exemplo: sem gastar dinheiro na versão para celulares do título, realizar certas ações pode literalmente demorar semanas. Ações estas que, nas versões de "Dungeon Keeper" para PC, demoravam no máximo alguns minutos. Para jogá-lo no celular em um ritmo decente, é preciso pagar.

MICROTRANSAÇÕES SÃO RENTÁVEIS?

JogoMicrotransações em 2013
"CrossFire"US$ 957 milhões
"League of Legends"US$ 624 milhões
"Dungeon Fighter Online"US$ 426 milhões
"World of Tanks"US$ 372 milhões
"MapleStory"US$ 326 milhões
  • Os números acima são referentes aos rendimentos dos jogos gratuitos em questão relativos às suas microtransações ao longo de 2013. As informações foram compiladas pelo SuperData e publicadas em fevereiro de 2014.

Apostas

Um outro formato de microtransações em jogos gratuitos que pode colocar as finanças de fãs desavisados em risco assemelha-se muito aos esquemas de aposta em um cassino. É o que explica o Dr. Mark Griffiths, pesquisador do departamento de psicologia da Nottingham Trent University: "À primeira vista, [esses jogos] podem parecer não ter muita relação com apostas, mas a psicologia por traz dessas atividades é muito similar".

Títulos como "Team Fortress 2", "Dota 2" e "Puzzle & Dragons" - todos considerados enormes sucessos comerciais por suas respectivas produtoras - são gratuitos e vendem aos jogadores a chance de obter itens ou personagens raros. São apostas: o fã paga por um algo misterioso, que pode ser bom, ou pode ser ruim.

"Mesmo quando jogos não envolvem o uso direto de dinheiro, eles apresentam ao jogador os princípios e a excitação de uma casa de apostas", diz Griffiths em um artigo publicado em 2012. "Pequenas e imprevisíveis recompensas causam um comportamento altamente envolvido e repetitivo. E, em uma minoria dos casos, podem levar ao vício".

"WORLD OF TANKS" APOSTA EM MICROTRANSAÇÕES

  •  

Gastos na palma da mão

Nas principais lojas de aplicativos para celulares e tablets do Brasil, a AppStore e a Google Play, os jogos mais rentáveis são, sem exceção, gratuitos focados na venda de microtransações.

Exemplos como "Clash of Clans" e "Hay Day", da Supercell, aparecem em destaque tanto para dispositivos iOS quanto Android. Ambos oferecem tipos alternativos de moedas àquelas obtidas gratuitamente em pacotes de preços variados. O kit de 'pedras' mais barato de "Clash of Clans" custa US$ 5, e o mais caro, US$ 100. Mas não há um limite para os gastos, já que "Clash of Clans" é um jogo multiplayer competitivo aberto. Não há um fim.

Cabe a cada jogador policiar seus gastos, claro. Mas, através de algumas estratégias, produtoras conseguem subverter de certa forma o conceito de modelo gratuito. Para quem não tomar cuidado, sim: envolver-se com um jogo gratuito pode sair bem caro.