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5 anos de Zeebo: conheça os bastidores do videogame brasileiro

Théo Azevedo

Do UOL, em São Paulo

27/05/2014 10h40

Cinco anos atrás – em 25 de maio de 2009, para ser mais exato – chegava às prateleiras o Zeebo, videogame brasileiro fruto de uma parceria entre Tectoy e Qualcomm.

No papel o conceito era promissor: um videogame com versões de jogos populares no Brasil, como “FIFA” e “Resident Evil”, e, principalmente, à prova de pirataria: sem entrada para cartuchos, os games eram baixados via rede 3G. Porém, das limitações do chip da Qualcomm ao posicionamento do produto, alguns obstáculos mataram o console brasileiro praticamente no ninho.

Para contar os bastidores do projeto, UOL Jogos conversou com Reinaldo Normand, idealizador do console; André Penha, que coordenou a produção e adaptação dos jogos; e Stefano Arnhold, presidente do conselho da Tectoy. Procuramos a Qualcomm, que não comentaria o assunto por não ter mais envolvimento com o projeto.

REINALDO NORMAND MOSTRA O ZEEBO EM AÇÃO

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Como a Qualcomm entrou na jogada

O conceito por trás do Zeebo começou a tomar forma na mente de Normand por volta de 2007, época em que estava à frente da Tectoy Digital, divisão dedicada aos jogos para celulares, então em plena ascensão. Com um lugar garantido na memória afetiva de muita gente graças ao trabalho realizado com Master System e Mega Drive, a empresa adorou a ideia de renovar sua atuação no mercado de videogames.

Cláudio Batistuzzo/GamesBrasil
Sem tradição no mercado de videogames, a Qualcomm viu no Zeebo uma oportunidade de disseminar seus chips em um novo nicho

Porém, bancar o lançamento de um console feito do zero, com chip, sistema etc., era bem diferente de reciclar aparelhos jurássicos: incapaz de bancar a empreitada, a Tectoy passou a procurar um parceiro comercial. O problema era que na época não havia lá tantas opções.

Coube a Normand sondar o mercado e, em sua busca, o executivo achava que o Symbian, da Nokia, seria a melhor escolha, mas a companhia finlandesa ainda estava comprometida com o N-Gage. O Java, da Sun, tinha penetração de mercado, só que a pirataria na plataforma poderia colocar tudo a perder. Outra opção seria adaptar uma versão do Linux, o que logo se mostrou dispendioso demais.

“Sobrou o Brew, da Qualcomm, cujas principais vantagens eram a solução antipirataria e a funcionalidade de loja virtual, que facilitaria a venda dos jogos”, conta Normand. Não menos importante, segundo Arnhold, a Qualcomm tinha dinheiro: “Era uma empresa com US$ 10 bilhões em caixa e 6.000 engenheiros”.

Sem tradição no mercado de videogames, a Qualcomm viu no Zeebo uma oportunidade de disseminar seus chips em um novo nicho. Logo a empresa se tornaria não apenas a parceira tecnológica, mas também financeira da Tectoy. E a aliança que deu vida ao Zeebo, ironicamente, mais tarde selaria também a sorte do console.

Celular em forma de console

A negociação entre Tectoy foi longa: foram necessários 18 meses até que, em fevereiro de 2008, a gigante americana dos chips enfim concretizou sua entrada no negócio. “Nesse período, a Tectoy investiu no básico: pesquisar tecnologia, ir atrás de chipset, placa, sistema operacional etc”, lembra Normand.

A Tectoy of America, subsidiária da empresa nos Estados Unidos, virou Zeebo Inc., já que o plano era fazer do console um produto global, e não associado apenas ao Brasil. Normand mudou-se para San Diego para comandar as operações - a cidade foi escolhida por ser também o QG da própria Qualcomm.

A trajetória do Zeebo foi permeada de imprevistos, e talvez o principal deles tenha sido o chip da Qualcomm que, embora potente para a época – foi o antecessor da linha Snapdragon, bastante popular nos dias atuais -, não fora desenvolvido com um videogame em mente, e sim para dispositivos móveis.

Cláudio Batistuzzo/GamesBrasil
O sistema operacional era feito para um telefone celular por conta do Brew, com um monte de funcionalidades inúteis para o Zeebo

André Penha, coordenou a produção e adaptação dos jogos para o Zeebo

“O sistema operacional era feito para um telefone celular por conta do Brew, com um monte de funcionalidades inúteis para o Zeebo”, conta Penha, diretor da Tectoy Digital. Para ele, o máximo que o hardware poderia fazer, em tom bastante otimista, seria eventualmente igualar a performance do PSP, portátil da Sony.

A realidade, porém, ficou muito aquém até mesmo do PSP. E cara: “Achamos que o custo para adaptar os jogos [à plataforma] seria baixo, mas por causa das limitações do hardware foi preciso praticamente refazê-los do zero, o que gerou um gasto vinte vezes maior”, explica Arnhold.

Para se ter uma ideia, a simples tarefa de adicionar um segundo joystick ao Zeebo, algo corriqueiro em qualquer videogame desde sempre, mostrou-se um desafio hercúleo para o Brew, que era basicamente o sistema operacional monousuário.

Com o hardware limitado, a Tectoy ainda teve que lidar com a descrença da maioria dos third parties no projeto: “Achamos que os third parties iam adorar a ideia de receber royalties de um público que eles não exploravam”, conta Arnhold. “Com algumas exceções, na verdade, a reação foi muito fria”.

Para piorar as coisas, as sobrecargas do sistema operacional, da memória e do processador só foram percebidas quando era tarde: no Zeebo jogos como “Need for Speed” e “FIFA 2008”, adaptados do PSP, ficaram sofríveis.

Sem jogos atraentes no acervo, a ideia de ter uma produtora first party – que viria a ser a própria Tectoy Digital - começaria a ganhar força, mas quando virou realidade também era tarde demais: “Zeebo Extreme”, coletânea que incluía modalidades “esportivas” como o rolimã, talvez tenha sido o melhor jogo do console, mas não reverteu sua trajetória descendente.

“Os jogos [first party] vieram apenas quando a negociação com os third party ficou muito difícil. Conseguimos desenvolver meia dúzia de games, mas a muito custo”, lembra Penha.

Visões dissonantes

Começavam a ficar claras as diferenças de visão em relação ao Zeebo entre Tectoy e Qualcomm: “Estávamos tentando criar um ecossistema, e não vender chipsets, que era o que a Qualcomm queria para disseminar o Brew pelo mercado”, diz Normand.

Cláudio Batistuzzo/GamesBrasil
A Qualcomm não queria fazer uma empresa de videogame

Stefano Arnhold, presidente do conselho da Tectoy

“A Qualcomm não queria fazer uma empresa de videogame”, concorda Arnhold. “E o nosso objetivo era criar um produto, explorar um nicho que estimávamos em 800 milhões de famílias e, se fôssemos bem-sucedidos, vender o projeto para uma empresa maior, como a Apple, por exemplo”.

Segundo Penha, para muitas pessoas dentro da Qualcomm o Zeebo representava uma possível sobrevida do Brew: “Esse era o motivo pelo qual a empresa botava dinheiro no videogame. A Qualcomm se mostrava aberta ao diálogo a ponto de gerar alguma esperança de mudança nas arquiteturas do chip e do sistema operacional, mas era cada vez mais claro que nada mudaria”.

Pressionada, a Tectoy queria mais tempo antes do lançamento do Zeebo: “Falamos pra eles [Qualcomm] que precisávamos de mais tempo para melhorar os jogos e o próprio console”, conta Arnhold. Porém, àquela altura a Qualcomm, dona do dinheiro, disse que não esperaria mais.

Bem ou mal, o Zeebo chegou às prateleiras. E se o público-alvo era o consumidor dito “casual”, em busca do seu primeiro videogame, o preço de R$ 499, mais caro até mesmo que o valor cobrado na época pelo PS2 fruto de contrabando, selou de vez a sorte do videogame brasileiro.

Nos meses seguintes o preço caiu duas vezes, primeiro para R$ 399 e, depois, para R$ 299 – este valor, aliás, era a meta da Tectoy desde o começo, mas variáveis como impostos e a política pouco ortodoxa da Qualcomm em não subsidiar o preço do chip do Zeebo, embora fosse parceira do projeto, aumentaram o valor inicial.

“Ficamos posicionados como um concorrente para o PlayStation 2, só que menos potente e com menos jogos. Foi um erro”, lamenta Normand. O preço alto, o posicionamento incorreto e a baixa performance gráfica minaram as chances do Zeebo. “Nunca houve lucro com o console. Sempre houve prejuízo”.

UOL JOGOS DEMONSTRA O ZEEBO; EXCLUSIVO

 

Poderia ter dado certo?

O Zeebo se sairia melhor no México, onde foi posicionado desde o início como um console para fins educativos, e ainda aventurou-se discretamente pela China. Nada, porém, suficiente para mudar o fato de que o fim da empreitada era questão de (pouco) tempo.

Se o Zeebo poderia ter dado certo diante de circunstâncias diferentes? Olhando em retrospecto, Normand acha que se o Android fosse uma opção viável na época, talvez a historia fosse diferente: “Quando o Android ganhou força, lá por 2009, era tarde demais para nós, e recomeçar do zero não era uma opção, pois afetaria diretamente os interesses da Qualcomm”.

Já na opinião de Penha, o escopo do Zeebo era grande demais: “Deveríamos ter identificado um nicho específico de público, que poderia ser atendido por nós”, lembra, usando como exemplo do que não fazer a infeliz comparação com o PS2. “Quando você fala com um mesmo público-alvo de um console, deve criar algum motivo convencê-lo a mudar de lado. E isso custa muitos milhões de dólares”.

Arnhold que o diga: “O que não imaginávamos é que o volume de recursos necessário para viabilizar um console seria tão grande. Erramos por dez vezes”, lamenta. Pelas suas estimativas, aliás, a Qualcomm teria colocado US$ 100 milhões no projeto, mas números precisos não foram divulgados, já que a Tectoy é uma empresa aberta.

O fato é que o Zeebo só deu prejuízo desde o começo, já que o console custava mais caro para ser produzido mesmo quando ainda vendido a R$ 499. Pelo menos não sobraram tantas unidades no estoque, de acordo com Arnhold.

E o Zeebo virou peça de colecionador.