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"Depression Quest": testamos game que aborda vida de pessoa em depressão

Luiz Hygino

do Gamehall

20/08/2014 18h44

Não sei exatamente onde, mas me lembro de, certa vez, me deparar com uma frase que resume bem meu interesse por videogames. Ela dizia algo do tipo "videogames oferecem um ambiente seguro para que possamos viver experiências variadas, quase sempre distintas de nossa própria realidade". Basicamente, viver uma outra vida, por  um curto período de tempo. O tal "role playing", dos RPGs.

O mais fantástico, para mim, é perceber como essas experiências podem impactar e trazer aprendizados à chamada "vida real". Jogos de corrida me fizeram um melhor motorista, simuladores de gerenciamento me ensinaram importantes lições de como lidar com recursos limitados e até um outro idioma pude aprender, com papel fundamental dos jogos.

Mas além de aprendizados tão técnicos, tão específicos, videogames podem ter um papel de educação muito mais subjetivo. Ao exercitar ética e caráter, em jogos, acredito fortemente que me tornei uma pessoa com melhor capacidade de julgamento. Pude, por vezes, entender melhor o lado do "outro", e assim, acho que me tornei uma pessoa menos egoísta.

O tal aprendizado, no entanto, em quase todos os casos, é um efeito colateral, uma conquista, de certa forma, acidental. Diferente do que vivi ao jogar o indie "Depression Quest". Como o nome bem sugere, o objetivo do jogo está longe de ser o entretenimento. "Depression Quest" foi criado para transmitir uma mensagem, e o faz muito bem.

  • Não há escolha fácil ou caminho óbvio em "Depression Quest"

O jogo coloca você no papel de um personagem sem nome, que acorda em um dia, como outro qualquer e precisa lidar com desafios banais do dia a dia. Tão simples quanto é possível ser, "Depression Quest" constrói seu cenário apenas com textos. No final de cada "página", cabe ao jogador escolher entre algumas opções apresentadas o que decidirá fazer na sequência.

Com um emprego desagradável, insegurança para continuar num relacionamento que parece ir bem e falta de vontade para trabalhar num projeto pessoal, o protagonista, um jovem adulto que mora sozinho em uma grande cidade, começa o jogo sofrendo de depressão. No começo, parece fácil decidir o que fazer para levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas ao mesmo tempo que, no decorrer do jogo, o personagem passa a ter consciência de sua condição, o jogador passa a entender que, no papel de um deprimido,  decisões não são tomadas tão facilmente e quase nunca tem a consequência esperada.

LUZ VERDE DO PÚBLICO

Descrito como "um jogo de (não) ficção interativo sobre a vida com depressão", "Depression Quest" é obra dos três produtores independentes Zoe Quinn, Patrick Lindsey e Isaac Schankler, sob o selo "The Quinnspiracy", e passou pelo programa "Steam Greenlight" antes de chegar à loja principal do Steam

Das costumeiras três ou quatro opções de atitude que o jogo oferece, umas ou duas, quase sempre, estão bloqueadas, riscadas por uma linha vermelha, mostrando o que a doença não te permite fazer. Pode parecer pouco, mas esta simples mecânica foi fundamental em minha experiência. Me fez entender uma das dificuldades básicas pelas quais pessoas em depressão tem que passar. A doença faz com a reação não seja um opção. Ponto final.

Daí em diante, "Depression Quest" vai apresentando mais e mais situações, que com um pouco de sorte, poderão desencadear uma ou outra chance de vislumbre de recuperação, todas elas graças à ajuda de pessoas próximas. Essa é uma das grandes lições que o jogo me trouxe: ninguém vence a depressão sozinho, e mesmo o suporte, muitas vezes, não é suficiente.

  • Texto e trilha sonora barulhenta são as únicas ferramentas narrativas do game

Dependendo da melhora ou piora da doença, a trilha sonora do jogo vai de uma melodia melancólica para um conjunto de chiados quase insuportáveis. Uma mensagem na parte inferior da tela também descreve seu atual estado, além de indicar se o personagem está ou não procurando terapia ou tomando medicação para a depressão, e as consequências de cada tratamento.

A história do jogo não tem propriamente um final. Não é possível falhar ou ter êxito, embora diferentes empreitadas possam apresentar desenrolares de roteiro muito diferentes. A conquista fica apenas para quem joga "Depression Quest" e, ainda que de uma forma mínuscula, possa vivenciar parte do drama que a depressão pode causar, graças à boa narrativa do jogo.

Da forma mais simples possível, "Depression Quest" nos educa, nos ensina, e serve como um bom exemplo do papel que os videogames também podem ter na sociedade.

O jogo pode ser baixado gratuitamente, através do Steam, em versões de PC, Mac e Linux.