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De gigante dos games a coadjuvante: relembre a saga da Sega

Luiz Hygino

do Gamehall

02/09/2014 18h06

Mais de 50 anos de existência, com pouquíssimos deles na liderança do mercado de videogames. Não parece muito, mas foi suficiente para escrever o nome da Sega como uma das principais e mais queridas empresas da história dos videogames. Mas, para lamento de uma legião enorme de fãs, depois de um período de destaque, a Sega é hoje um mero vislumbre do que foi.

Feitos um pro outro

Como tantas outras empresas, e a própria essência da indústria dos videogames, a Sega tem raízes militares. Nos anos 40, o empresário norte-americano Marty Bromley viu na guerra uma oportunidade de negócio. Soldados passavam tempo demais em quartéis, com pouquíssimas opções de entretenimento. Por mais de uma década, então, Bromley foi fornecedor de máquinas de caça-níquel para as bases americanas do Havaí, incluindo a icônica base de Pearl Harbor. Bromley, inclusive, presenciou o famoso ataque aéreo japonês à base.

O negócio foi até 1952, quando as máquinas caça-níquel passaram a ser ilegais. Sem rancor algum em relação aos antigos inimigos japoneses, Bromley viu na Terra do Sol Nascente uma chance de recuperar seu negócio. Nascia assim a Service Games, empresa cuja única função era importar as mesmas máquinas americanas, a custos ínfimos, para o Japão.

Com faro para negócios tão apurado quanto, o também americano David Rosen foi enviado para o Japão durante seu período servindo à Força Aérea, justamente no momento em que o país inteiro trabalhava junto para se reconstruir, logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra da Coreia.

O cenário parecia perfeito para investimentos, e Rosen, decidido a continuar no Japão mesmo depois de seu tempo de serviço, acumulou dinheiro e experiência com diversos tipos de negócio, como venda de pinturas de artistas japoneses nos EUA até a o estabelecimento de uma rede de cabines fotográficas nas principais cidades do Japão.

Quando o mercado americano de jogos de fliperama eletromecânicos começou a mostrar sinais de fraqueza, Rosen deu um tiro certo e começou a importar máquinas, por um preço excelente, para o Japão.

O encontro de Bromley e Rosen, dois americanos vivendo no Japão e atuando no mesmo setor de negócio foi inevitável, assim como a união de suas forças. Foi assim que, em 1964, a Service Games e a Rosen Enterprises se tornaram a Sega Enterprises Ltd.

  • O "Periscope", primeiro fliperama original da Sega, tinha quase 2,5 metros de profundidade

"Big in Japan"

Não demorou para que os diretores da nova empresa percebessem que o futuro estava no desenvolvimento de suas próprias máquinas, e não mais na importação. Já em 1966 a Sega lançou seu primeiro jogo original, o shooter com temática submarina "Periscope". Sucesso quase instantâneo no Japão, "Periscope" fez o caminho inverso da dupla comandante da Atari, e foi importado, aos montes, pelo mercado dos EUA.

Daí em diante, a Sega foi emplacando jogo seguido de jogo, acumulando recursos e adquirindo diversas empresas chave, entre elas algumas produtoras que ajudariam a formar seu tão criativo DNA.

Tudo era só alegria, até o temido "Crash de 83" sacudir a credibilidade de toda a indústria dos games, em especial nos EUA. Para "sorte" da Sega, uma outra crise havia estourado um ano antes, no Japão, afetando o mercado de fliperamas e obrigando a empresa a voltar seus esforços para o ainda desbravando o mercado japonês de consoles.

O que a Sega não esperava era que uma outra gigante dos fliperamas também seguiria o caminho dos consoles, dando início a uma das maiores rivalidades da história dos games.

Você por aqui?

Pode parecer difícil de acreditar, mas Sega e Nintendo lançaram seus primeiros consoles na mesma sexta-feira, dia 15 de julho de 1983, no Japão, praticamente com o mesmo preço. De um lado o Nintendo Family Computer, o Famicom, para os íntimos. Do outro, o SEGA SG-1000, sem apelido para os íntimos, que não foram muitos, não.

Embora as vendas do SG-1000 tenham sido um fracasso, o console foi, em diversos sentidos, a semente para os sucessos da Sega no futuro. Graças ao SG-1000, a empresa montou um inédito departamento de pesquisa e desenvolvimento, e muitos produtores lendários de jogos estrearam no console, como Yuji Naka, futuro criador do Sonic.

Vivendo e aprendendo

Durante os dois anos que seguiram o lançamento do SG-1000, a Sega tentou entender os motivos que mantiveram a Nintendo na liderança do setor, concluindo que apenas um aparelho técnicamente muito superior poderia destronar a Big N e seu Famicom, também lançado, com enorme sucesso, nos EUA, rebatizado de Nintendo Entertainment System, o NES.

Em outubro de 1985, o Japão recebeu o SEGA SG-1000 Mark III, console com um poderoso e customizado processador de vídeo, além de um aumento considerável na memória RAM.

Impulsionado pelo sucesso quase instantâneo do console e de jogos como "Shinobi", "Fantasy Zone" e "Altered Beast", o Mark III foi lançado no final de 1986 nos EUA, rebatizado como Master System, num pacote que, por US$ 199, incluia também cópias de "Hang-On" e "Astro Warrior", além de um periférico em forma de pistola.

A Sega seguiu muitos dos passos da Nintendo durante o lançamento do Master System, e tinha uma base de jogos ampla e diversificada, liderada por um jogo estrelado por uma espécie de mascote. Mas Alex Kidd não tinha força suficiente para brigar com Mario, e no final de 1987, 90% do mercado de consoles dos EUA estava nas mãos da Nintendo.

O controle do mercado significava, também, controle de produtoras third-party. Quem ameaçasse lançar um jogo para o console da Sega corria o risco de perder a parceria com a Nintendo. Na terra natal, as coisas estavam ainda piores, e em 1989 a produção do Mark III já havia sido descontinuada.

Curiosamente, Europa e Brasil foram mercados onde o Master System floresceu, e ainda teve suporte por anos e anos. Sem apoio de terceiros, coube aos estúdios internos da Sega desenvolver jogos em ritmo de pastelaria para fornecer conteúdo para esse público. Experiência valiosa para os capítulos futuros da história da empresa.

  • A disputa entre SEGA e Nintendo virou livro, e está, também, a caminho dos cinemas

Agora vai!

Com a Nintendo ainda colhendo os frutos do sucesso do NES, a Sega precisava aproveitar e tentar antecipar sua concorrente no lançamento de um console de 16-bits. Reunindo grande parte do conhecimento adquirido no desenvolvimento do System 16, o aparelho de fliperama de 16-bits da Sega, e direcionando todos os recursos da empresa para a produção do console (nesse período a Sega deu fim à sua divisão de fliperamas), a empresa, orgulhosamente chegou ao protótipo final de seu Mega Drive.

No período de lançamento no Japão, em 1988, mais uma vez a Nintendo foi uma pedra no sapato. Uma semana antes da chegada do Mega Drive nas lojas, "Super Mario Bros. 3" foi lançado para o Famicom, desviando completamente a atenção dos consumidores. Em um ano, 400 mil unidades do console foram vendidas no Japão. A meta da direção da Sega era de 1 milhão.

Sucesso na Terra das Oportunidades

A sorte do aparelho e da companhia começou a mudar em 1989, quando o Mega Drive, rebatizado como Genesis, chegou aos EUA. Sob o comando de Michael Katz, a Sega of America percebeu que era preciso encontrar um modo de bater de frente, de igual para igual, com as grandes produtoras a serviço da Nintendo.

 

O caminho encontrado foi o licenciamento da imagem de celebridades, especialmente esportivas, em seus jogos. O lendário jogador de futebol americano Joe Montana foi o primeiro, seguido por estrelas como Tommy Lasorda e Evander Holyfield, até a chegada do próprio Rei do Pop, Michael Jackson.

Agora, só faltava um mascote oficial, trabalho que ficou a cargo de uma equipe das mais diversas nacionalidades, na Sega. Quando o conceito do ouriço azul corredor surgiu, o CEO Michael Katz odiou a ideia. Para o bem de todos nós, a equipe conseguiu convencê-lo de que o conceito era bom. Assim, com sapatos inspirados por Michael Jackson e atitude inspirada em Bill Clinton, nascia o Sonic.

A alma do negócio

Talvez a decisão mais importante de decisiva para o sucesso do Genesis foi o investimento em publicidade e o tom adotado pelas campanhas da Sega. “Genesis does what Nintendon’t”, dizia o título do principal anúncio do console, algo como “O Genesis faz o que a Nintendo-não”.

Embora hoje pareça claro que as decisões foram extremamente acertadas, o Genesis vendeu apenas 500 mil unidades nos EUA em seu primeiro ano, metade do número almejado pelos diretor da empresa no Japão. Isso significou a demissão de Michael Katz, substituído por Tom Kalinske, um experiente diretor da indústria de brinquedos.

Kalinske tomou medidas drásticas logo ao assumir. Reduziu o preço do console, considerado por muitos como “um brinquedo de ricos”, investiu em mais comerciais de TV e trocou o jogo que acompanhava o bundle do Genesis: saía “Altered Beast”, entrava “Sonic the Hedgehog”.

A estratégia de marketing, nesse período, foi extremamente ousada. “Welcome to the next level”, dizia o título dos anúncios do Genesis, “Bem-vindo a uma nova fase”. Comerciais de TV do console se gabavam de uma suposta característica conhecida como “Blast Processing”, que acelerava o processamento de dados do Genesis, e até os cartuchos de “Sonic” abriam mão de 1/8 de suas capacidades, apenas para garantir que a assinatura das propagandas da empresa, o icônico canto de coral “Sega!” pudesse também figurar na abertura de seus jogos.

Nem a chegada do Super NES, o videogame de 16 bits da Nintendo, conseguiu superar a estratégia perfeita da Sega nos EUA. Com um crescimento de vendas impressionante, a Sega se tornou líder de mercado nos Estados Unidos, o maior mercado de videogames do mundo.

Deu ruim

Só o tempo consegue dizer quais ideias ousadas do presente eram de fato geniais ou estúpidas. E depois de uma série de decisões acertadas, a Sega começou a vacilar ao começar a se preparar para a próxima geração de consoles. Mais do que planejar um novo aparelho, o plano da Sega era desenvolver, também, periféricos que aumentassem o poder do Genesis.

Dessa forma, nasceram o Sega CD, aparelho que dava ao Genesis a capacidade de ler CDs, e o MEGA 32x, item que teria a capacidade de aumentar o processamento do console, de 16 para 32 bits. Nem público, nem desenvolvedores pareceram entender muito bem qual era a graça dos aparelhos, que logo viraram alvo de piadas.

Longe das estrelas

Embora o sucesso da Sega no Japão não tenha passado nem perto da coqueluche dos EUA, foram os japoneses os principais responsáveis pelo desenvolvimento e pela tomada de decisões a respeito do Sega Saturno, o sucessor do Genesis. Quando conheceram o aparelho, os diretores da divisão norte-americana da empresa acharam o console uma verdadeira colcha de retalhos, e tentaram convencer os japoneses a buscar parcerias para o desenvolvimento do Saturno.

Silicon Graphics e Sony eram potenciais parceiras, mas a ala japonesa da SEGA vetou as parcerias. De forma resumida, para evitar emoções mais fortes em você, leitor, fique sabendo que, nesse momento, Nintendo 64 e PlayStation fugiram do alcance da Sega.

Lançado no final de 1994 no Japão, as vendas do Saturno foram impulsionadas na Terra do Sol Nascente por jogos típicos de fliperama, como "Virtua Fighter", "Virtua Racing" e "Star Wars Arcade".

Nos EUA, um lançamento pouco alardeado e a chegada do acessível PlayStation, da “novata” Sony, foram só o começo do pesadelo americano do Saturno. Vendedores e consumidores sofriam com o minúsculo catálogo de jogos do console. Se um certo ouriço azul havia feito milagres na geração passada, quem sabe ele não pudesse salvar a Sega mais um vez, desta vez em 32 bits, não é?

Não, porque nem sempre. O projeto “Sonic Saturn” nunca chegou às prateleiras.

Para piorar, a Electronic Arts, antiga e fundamental parceira da Sega com seus jogos de esporte, debandou para os lados da Sony e do PlayStation.

Um novo sonho

Os dias de glória da Sega, no entanto, ainda não tinham terminado, e com decisões e desenvolvimento diametralmente opostos aos do Saturno, nasceu o Dreamcast, lançado em novembro de 98 no Japão e setembro de 99 nos EUA.

O sistema era poderoso, tinha ferramentas de desenvolvimento muito mais amigáveis que o Saturno e apostava na inclusão de um modem em cada unidade, seguindo a ainda recente tendência de jogabilidade online.

Assim como o saudoso Mega Drive, o Dreamcast registrou números tímidos no Japão, mas foi um sucesso instantâneo nos EUA, impulsionado por jogos como "NFL 2K”, “Soulcalibur” e “Sonic Adventure”.

Apesar do sucesso, o período era de transição na direção da companhia, e o novo CEO, Isao Okawa, pensava que fazer da Sega uma empresa focada exclusivamente em software era a melhor decisão para o futuro.

A estratégia desagradava a muitos outros figurões da Sega, e, pouco a pouco, a empresa se tornava cada vez menos alinhada, além de continuar sofrendo com a falta de rentabilidade de sua divisão de hardware.

SDDS

Apesar dos inúmeros motivos internos que podem tentar explicar a queda no sucesso do Dreamcast, nenhum deles se compara ao fato de que, em março de 2000, o console de maior sucesso de toda a história estava sendo lançado. A chegada do PlayStation 2, com gráficos impressionantes e capacidade de reprodução de DVDs, foi um golpe de misericórdia na Sega.

Em março de 2001, a Sega descontinuou a produção de seu último console, o Dreamcast, e deu adeus à fabricação de hardware.

A Sega, de uma forma ou de outra, continua viva. Nos dias de hoje, Sonic e cia. figuram nos consoles das empresas outrora rivais. Mas, mais do que isso, e por mais piegas que possa soar, estarão pra sempre em nossa memória e em nossos corações.