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Atrasos, bugs, preços altos: será que a pré-venda de jogos vale a pena?

Pablo Raphael

Do UOL, em São Paulo

05/09/2014 18h58

Já virou rotina: basta um game ser anunciado para, em pouco tempo, entrar em pré-venda nas principais lojas especializadas, seja na versão em disco ou digital.

Num primeiro momento, a pré-venda parece uma boa oportunidade para os fãs mais entusiasmados: você garante a cópia do jogo e ainda leva alguns itens únicos, sejam bônus para usar no game ou brindes para colecionadores, tudo pelo preço que iria gastar comprando o produto no lançamento.

Mas, na prática, é comum o tiro sair pela culatra: o preço do jogo tende a cair depois do lançamento e aqueles itens 'in-game' exclusivos logo estão disponíveis para compra online. Não são poucos os grandes lançamentos que chegam cheios de 'bugs' que estragam toda a diversão nos primeiros dias de jogatina.

Para piorar o quadro, reservar um game no Brasil não garante receber a desejada caixinha no dia do lançamento. Na verdade, as chances do jogo atrasar são muito maiores.

Assim, com atrasos, bugs e preços altos, fica a pergunta: quem ganha com a pré-venda?

Bom para a indústria e para o mercado

Criado nos EUA para atender colecionadores, o sistema de pré-venda se tornou uma ferramenta eficiente para diminuir custos do varejo e gerar bons números de divulgação para as publishers.

Para a indústria, a pré-venda é uma garantia de que muitas unidades serão vendidas assim que o jogo chegar ao mercado. Com o sucesso de um jogo (e, muitas vezes, de um estúdio inteiro) sendo determinado na primeira semana nas lojas, pega bem com investidores poder afirmar que o game já teve mais de um milhão de unidades reservadas em pré-venda.

Esse número também influencia os lojistas, que percebem o interesse do público pelo novo produto. Melhor ainda: diminui a necessidade do varejista de manter um game em estoque. É quase como uma operação "just in time" numa linha de montagem: os jogos já vendidos vão para o centro de distribuição ou, em menor quantidade, para as lojas da rede, que repassam o produto para o consumidor sem precisar estocar muitas cópias logo de cara.

Nos EUA, onde redes como GameStop ganham muito mais com a venda de jogos usados (a margem de lucro de um lançamento é mínima), já ter o game vendido antes do lançamento agiliza o retorno do produto para a prateleira: títulos que não contam com um multiplayer persistente podem voltar para as lojas como jogos usados em questão de dias, sendo revendidos com uma margem bem melhor para a loja.

Outra vantagem que a pré-venda oferece para as lojas é o compromisso do consumidor com o estabelecimento. Se você já pagou pelo jogo num lugar, não vai ficar tentado a comprar na concorrência. E, mesmo que você desista da compra, o dinheiro já foi gasto e provavelmente você vai optar por comprar outra coisa, seja um game já disponível na loja, cartões pré-pagos para usar nas redes dos videogames ou qualquer outra coisa.

DECLÍNIO DAS PRÉ-VENDAS?

  • Montagem/UOL

    Segundo o CEO da Activision Publishing, Eric Hirshberg, a compra antecipada de jogos está em declínio em todo o mundo. Para o executivo, os motivos incluem: aumento do consumo digital e a redução da demanda por jogos nos consoles da geração anterior (PS3 e X360).

    O CEO afirma que mesmo a franquia bilionária "Call of Duty" não é imune à essa tendência de queda, mas ressalta que a venda antecipada de "Advanced Warfare" está "signficativamente maior" do que a de "CoD: Ghosts" em 2013.

Ruim para o consumidor

Comprar um jogo em pré-venda é um ato de fé: você está adquirindo um produto antes do lançamento, sem saber se o que vai receber estará à altura das expectativas, sem ler uma crítica ou assistir alguns vídeos de 'gameplay' da versão final. A decisão de compra antecipada é tomada por impulso: você já conhece a franquia, ou gosta dos outros jogos daquela produtora. Ou, mais comumente, não quer ficar sem o incrível bônus de pré-venda, que pode ser um personagem único, roupas exclusivas ou um mapa multiplayer que só vai chegar ao game 'normal' um ano depois.

No Brasil, também é acreditar que o jogo vai sair no dia previsto e ser enviado o mais rápido possível. Nos últimos anos, isso aconteceu com poucos jogos nas lojas nacionais: "Call of Duty" e jogos de PC (como expansões de "World of Warcraft" ou o recente "The Sims 4") costumam sair no dia anunciado. Outros, como "GTA V" e as edições anuais de "FIFA", já são anunciados para chegar em datas posteriores ao lançamento nos EUA. Ao menos assim evitam o transtorno para o consumidor.

Mais comum é o atraso sem explicação nem posicionamento oficial do distribuidor. A loja abre a pré-venda, anuncia uma data para a chegada do produto. Na data marcada, a pré-venda continua e a data é jogada para as semanas seguintes. Com sorte, o consumidor é avisado da mudança, mas geralmente precisa procurar a revenda para descobrir que houve um atraso.

Essa situação aconteceu com diversos jogos no Brasil em 2014. De "Castlevania: Lords of Shadow II" a "Diablo III" para os consoles PS4 e Xbox One, não foram poucos os games que tiveram a chegada adiada sem sequer um comunicado por parte das publishers.

Em geral, as publishers e distribuidoras afirmam que os atrasos se devem a problemas com a importação dos jogos, sem entrar em maiores detalhes.

  • Reprodução

    Ao procurar informações sobre jogos comprados em pré-venda, clientes se deparam com datas bem distantes do anunciado, como na conversa acima, sobre o game "Destiny"

"Destiny", aguardado game de tiro que sai na próxima terça (9), é o próximo título da lista infame: a edição PS4, em pré-venda no Brasil desde agosto, não tem previsão para chegar. A Activision promete que as demais plataformas receberão o game na data marcada, mas as lojas especializadas já não dizem o mesmo. Procuradas por clientes, algumas apontam a data de entrega de "Destiny" para 26 de setembro, outras já sugerem que o jogo chegará em meados de outubro.

A saída, para muitos jogadores, é apelar para a compra digital, cada vez mais em voga. Afinal, você pode comprar os jogos que deseja da comodidade do lar, fazer o download antecipado e, quando chegar a hora do lançamento, sair jogando desde o primeiro minuto. Infelizmente, nem sempre é o que acontece.

"Diablo III", "Battlefield 4" e "SimCity" são três exemplos de jogos que tiveram lançamentos problemáticos: servidores caindo, jogos cheios de bugs, atualizações constantes (os chamados patches) para corrigir falhas que surgiram "na última hora". Ou seja, os jogadores que compraram o game antecipado são obrigados a suportar partidas problemáticas enquanto a produtora corrige problemas - coisa que não acontece com quem comprar o mesmo game semanas ou meses depois.

O que pode dar errado?

  • Acervo pessoal

    Rafael (26) já teve muita dor de cabeça comprando consoles e games antes do lançamento

O músico Rafael Nery (26), de São Paulo (SP), já teve experiências boas e ruins com pré-vendas: "Comprei "The Last of Us" (PS3) em uma loja online brasileira, e como foi um momento de "hype" muito grande, os estoques cederam muito rápido e tiveram que enviar a minha cópia do jogo de um outro estoque. Não tinham previsão para entregar o jogo e a ansiedade estava grande. Nesta altura, comprei o game em uma loja concorrente para poder jogar logo, considerando que haveria a possibilidade de cancelar a compra original".

"Liguei para a loja e me disseram que como o mesmo já havia sido enviado, eu deveria recusá-lo no momento de entrega para obter o estorno. Como nada funciona direito no Brasil, a transportadora veio em um momento nada oportuno e, inacreditavelmente, o entregador 'arremessou' o jogo por cima do meu portão sem recolher assinatura nenhuma de recebimento".

"Ao menos foi o que eles disseram, pois neste suposto 'arremesso', o jogo nunca foi encontrado. Resultado: muita dor de cabeça para fazer a loja reconhecer o erro e tive que travar uma briga com a transportadora. Só fui conseguir resolver o caso 3 meses depois".

"Por outro lado, tive uma boa experiência de pré-venda quando comprei o Xbox One. O console foi lançado oficialmente numa sexta-feira e já no sábado de manhã ele estava em minha casa. Foi muito bom! Só atrasaram mesmo o jogo 'Dead Rising 3', o que me gerou um outro estorno e mais 4 meses de briga", lembra Rafael.

  • Acervo pessoal

    Eros Reis, de Itapeva (SP), compra em lojas pois gosta de ter a mídia física. Mas quase nunca recebe o jogo na data esperada

Já o técnico de informática Eros Reis (35), de Itapeva (SP), já está acostumado com atrasos na entrega dos games. Eros prefere comprar em lojas porque gosta de ter as mídias físicas, mas acredita que a experiência no Brasil está longe do ideal.

"Prefiro fazer a compra antecipada para poder jogar o game no dia do lançamento, sem o perigo de ficar sem".

"Mas isso quase nunca acontece, pois as empresas ao invés de enviarem o jogo antecipadamente para o cliente receber no dia do lançamento, entregam para a transportadora nesse dia ou mesmo depois da data", lamenta.

A última aquisição antecipada de Eros foi o jogo "Destiny" (PS4), pouco antes da Activision anunciar o atraso desta versão no Brasil. "Recebi a ligação da loja hoje (5), informando a nova data de entrega: dia 25 de setembro".

Melhor esperar?

O sistema de pré-venda é uma ferramenta importante para a indústria, tanto para efeito de logística (quantas unidades serão enviadas para cada lugar), quanto para o marketing (o jogo é muito aguardado, já foram vendidas milhões de cópias antes do lançamento). Também é muito útil para o varejo, que economiza no estoque, recebe informações mais precisas do consumidor (compras efetuadas são dados mais concretos do que intenção de compra) para planejar os pedidos ao fornecedor, por exemplo.

Em troca, o jogador recebe conteúdo que poderia estar incluso no game desde o começo (e em muitos casos, está apenas bloqueado no disco) ou que estará a venda por preços módicos pouco tempo depois. Para isso, o consumidor paga o preço cheio do game mesmo sem saber se o produto final será bom ou ruim. E, no Brasil, não sabe sequer se vai ter o jogo desejado em mãos quando a hora do lançamento chegar, mesmo pagando antes por isso.

Não seria melhor esperar e comprar o game funcionando corretamente, e melhor ainda: mais barato? Seja através de lojas que vendem jogos usados, das inevitáveis reduções de preço que sofrem as franquias anuais (como "FIFA" e "PES"), liquidações em lojas digitais ou até mesmo de graça nos serviços PlayStation Plus, Games with Gold ou no recente EA Access, não faltam opções para quem consegue se segurar um pouco mais a cada grande novo game.