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eSport: mulheres ainda são tabu em torneios de games

Pedro Henrique Lutti Lippe e Théo Azevedo

Do UOL, em São Paulo

24/11/2014 13h30

Apesar de 48% dos jogadores nos Estados Unidos serem mulheres segundo dados da ESA (Entertainment Software Association), a presença feminina no cenário competitivo de games é praticamente nula.

Um exemplo: mesmo com a Riot Games permitindo times mistos em torneios de "League of Legends", não há nenhuma pro-player mulher inscrita nos times de suas principais ligas - não só nos EUA, mas também na Europa, na China e na Coreia do Sul.

Em "StarCraft II", cujos torneios costumam ser disputados na categoria individual, o cenário não é muito diferente. Desde a estreia do jogo em 2010, apenas uma mulher, Sasha "Scarlett" Hostyn, participou recorrentemente de competições de alto nível, ao lado de uma maioria esmagadora de homens.

Se praticamente metade dos jogadores são mulheres, por que elas não participam de torneios?

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Sexo frágil?

Para a KeSPA (Korean e-Sports Association), maior autoridade em competições de games da Coreia, mulheres não se envolvem com eSports por serem, sim, o 'sexo frágil'.

"Pro-players precisam ter habilidades físicas firmes, assim como os atletas de outros esportes", explica Diane Kim, executiva de relações públicas da KeSPA. "Achamos que homens têm melhores reflexos, habilidade de se concentrar ao longo de toda a partida e força física do que as mulheres. Por isso, vemos menos mulheres do que homens em torneios".

Há quem concorde com essa visão. "É importante ter uma separação entre homem e mulher", afirma Pamella "pan" Shibuya, do clã feminino de "Counter-Strike" Majestic Gaming. "Por causa de reflexos e de habilidade, não temos como competir com os homens. E é por não termos essa separação que não temos espaço para crescer".

  • Anna Aurili, que disputa partidas de "LoL" na fila Diamante II, diz que já teve vontade de tornar-se uma pro-player

Em julho, a IeSF (International eSports Federation) recebeu muitas críticas e foi obrigada a reverter sua decisão de justamente organizar torneios paralelos para homens e mulheres de jogos como "HearthStone" e "Tekken". Não há, portanto, um consenso no assunto.

"Mentalmente, tanto homens quanto mulheres têm a mesma capacidade", diz Anna Aurili, jogadora de "League of Legends" que disputa partidas nas ligas mais avançadas do servidor brasileiro. "A prova disso é que, em jogos como 'Counter-Strike: Global Offensive' e 'Point Blank', que cobram muito mais reflexos que 'LoL', existem vários times de mulheres que jogam de igual para igual com os melhores homens".

Pressão social

Lilian Chen, pro-player de "Super Smash Bros. Melee" que já moderou uma discussão a respeito da presença de mulheres no eSport, acredita que existe uma certa pressão social que afasta mulheres da profissionalização em áreas como a dos games competitivos.

"É bem óbvio que, ao menos na sociedade norte-americana, homens são mais encorajados a perseguirem hobbies relacionados a jogos, programação, e outros interesses que costumam ser rotulados de 'masculinos'", disse Chen ao site Polygon.

"Depois de décadas, isso acabou crescendo como uma bola de neve e causou o desequilíbrio de gêneros que vemos hoje. Agora estamos presos na corrida para reverter este efeito".

  • Ina Jang, CEO da Smilegate Games, acredita que mulheres têm interesses mais importantes do que os jogos

A Smilegate Games é a produtora de "CrossFire" - shooter que é o segundo maior jogo online em termos de rendimentos globais. Sua CEO, Ina Jang, que cerca-se de outras mulheres em cargos de confiança, acha que seu sexo prioriza outros interesses no lugar da busca pelo título de pro-player.

"Acho que as mulheres têm outras coisas a fazer, como compras ou sair com as amigas", afirma a executiva, rindo. "Como elas têm menos tempo para os games, essa poderia ser a razão para a diferença de performance entre meninos e meninas".

"E talvez as meninas não tenham a mesma competitividade e vontade de ganhar, o que resulta em uma menor capacidade de concentração durante as partidas".

"Inevitável"

Marc Merrill, presidente da Riot Games que viu seu jogo "League of Legends" impulsionar o crescimento dos eSports nos últimos anos - os 8,4 milhões de espectadores em 2010 viraram mais de 70 milhões em 2013 - acredita que uma invasão feminina no espaço dos pro-players é "inevitável".

"Esperamos que esse eSport vá existir por décadas, e queremos fazer dele o mais acessível possível. Isso inclui fazer com que mulheres sintam-se mais em casa com ele", afirma. "Por isso, achamos que é inevitável que mais e mais times femininos e mistos apareçam por todo o mundo".

  • Cleber Fonseca diz que CNB não cogitou trazer uma menina para o time porque os jovens jogadores do time precisam morar juntos

Apesar de não ter considerado a inclusão de uma garota na recém-determinada nova escalação da CNB e-Sports Club, uma das mais tradicionais equipes de "LoL" do Brasil, Cleber Fonseca também acredita que o cenário está mudando para acolher melhor o público feminino.

"Antes, você tinha uma imagem de que o gamer era o nerd que ficava o dia inteiro na frente do computador, comendo e engordando, sem fazer mais nada. Hoje, esse perfil não existe mais. Todo mundo joga", diz.

Citando o exemplo de Carol "Mystique" Melo, que foi quinta colocada no Mundial de "CrossFire" com a RMA e-Sports, Cleber entende que com o tempo a determinação de quem pode ou não ser pro-player deixará de existir. "Sem esse perfil pré-determinado, as mulheres também estão sendo contempladas. Elas começam a ter mais espaço", afirma.

Mas até que essas concepções mudem de vez, as mulheres continuarão participando do mundo dos eSports apenas no papel de exceção.