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De vilões a protagonistas: a evolução dos personagens gays nos games

Rodrigo Guerra

Do UOL, em São Paulo

03/04/2015 17h07

Quando você pensa em um herói de videogame, o quê imagina? Um encanador bigodudo que salva a princesa do reino? Um caçador de tesouros galanteador que sempre está atrás de uma aventura sexual com uma de suas parceiras? Ou um salvador intergaláctico, mediador de conflitos entre raças e que ainda assim se interessa por outros homens?

Todas essas alternativas estão disponíveis para o jogador hoje em dia. Mas para termos um (ou uma) Comandante Shepard da série "Mass Effect", que pode ser esse herói interespacial e ao mesmo tempo um gay assumido, o mundo dos games encararam os gays como vilões.

"Moonmist" é um exemplo disso. Essa aventura em texto de investigação criminal de 1986 para Apple II, marcou a história dos jogos ao colocar um personagem gay como uma das peças centrais de seu enredo. Tamara Lynd se sente ameaçada dias antes de seu casamento e contrata o investigador (a) que é controlado pelo jogador para tentar descobrir quem é que está colocando vida em risco.

No decorrer do game, você descobre que Tamara teve um affair com Vivien Pentreath, uma artista reconhecida pela alta sociedade e que acaba se revelando a grande vilã no final da trama. E essa também foi a primeira vez que um personagem gay acabou se mostrando em um game.

Hoje em dia os produtores e roteiristas de jogos têm a mente mais aberta para mostrar que, assim como pode existir um cavaleiro de capa e espada, pronto para salvar o reino e conquistar o coração de uma princesa, também temos a opção de nos apaixonarmos pelo príncipe.  Mas para chegar a esse ponto tivemos que passar por diversos estágios de aceitação, inclusive na quebra de estereótipos.

  • Ash é um vilão de "Streets of Rage 3" que adora um salto alto

Vilões estereotipados

Mulheres peitudas, homens sarados, anões barbudos, aliens com olhos esbugalhados, elfos magrelos. O mundo dos videogames é feito de estereótipos. Os produtores escolhem esses traços para tentar explicar de uma forma rápida o que são seus personagens e qual o contexto deles no jogo e às vezes, o estereotipo gay é até um pouco forçado demais.

Em 1989 a Capcom lançou "Final Fight" nos fliperamas, um jogo do tipo "bata em todo mundo", que fez muito sucesso na época – tanto que seus personagens "vivem" até hoje. Um dos inimigos era Poison, que na época era classificada pelos produtores como um homem 'crossdresser' (que gosta de se vestir com roupas de mulher) ou travesti. O tempo passou e em "Ultra Street Fighter IV", Poison é descrita pelos produtores como um transgênero, um homem que tinha a identidade sexual como mulher e que fez a mudança de sexo.

Mas Poison é uma personagem extremamente estereotipada. Com um shortinho minúsculo, um top rasgado e que não esconde nada, ela mostra que é um personagem do tipo "travesti não é bagunça".

Em 2000 a Capcom nos trouxe um outro personagem gay, dessa vez em "Resident Evil Code: Veronica", no qual o principal antagonista, Alfred Ashford, acabou se mostrando um crossdresser maluco obcecado por sua irmã gêmea, uma clara alusão a Norman Bates do filme "Psicose". Seus trejeitos apenas reforçaram o estereótipo de "gay afetado", quase ofensivo.

  • Tony é um exemplo de personagem gay que usa os estereótipos em seu favor

Outro personagem que se encaixa nesse quadro é Ash, um "sub chefe" de "Streets of Rage 3", barbudo que usa botas de salto alto e chapéu de policial. Mais estereotipado que isso só se ele fosse membro do Village People.

Gay sim, mas não apenas isso

A lista de vilões e vilãs pintosos é extensa. Dos anos 1980 pra cá foram inúmeros antagonistas que usaram de sua sexualidade como uma de suas principais características para ganhar os holofotes. Mas em outros games essa é apenas uma característica entre tantas outras.

Um exemplo é Anthony Prince, o 'Gay Tony', dono de diversas casas noturnas e podre de rico em "Grand Theft Auto: The Ballad of Gay Tony". Em geral a Rockstar escracha a sociedade norte-americana e enfatiza os estereótipos a níveis fora do normal, mas para Gay Tony ser gay é só um traço de sua personalidade. Tony é o grande mafioso de Liberty City, um bandidão com quem você não gostaria de pisar nos calos.

Em 2004 foi Volgin, de "Metal Gear Solid 3: Snake Eater", que surpreendeu a todos com um lado homoafetivo. Ele é um "brucutu" musculoso e impiedoso, capaz de soltar uma bomba nuclear na Rússia apenas para alcançar seus objetivos, mas com uma queda para outros homens mais... delicados, digamos. No jogo Volgin mantém um caso com Major Raikov algo que realmente pegou muitos de surpresa, afinal esse lado do vilão só foi mostrado em uma parte avançada do jogo e ele nunca deu sinais dessa preferência.

Os heróis gays

Assim como existem vilões, existem muitos protagonistas que são gays. "Fear Effect 2: Retro Helix", de 2001, mostra a relação lésbica de Hana e Rain como uma subtrama motivadora para as heroínas continuarem sua jornada contra a pandemia chamada EINDS que assola o mundo de 2048. Na época do lançamento, a caso entre as duas protagonistas ganhou mais atenção do que a mecânica, roteiro ou qualquer elemento relevante do jogo.

Um exemplo recente de protagonista gay é Ellie de "The Last of Us", de 2013. A mocinha tem um romance com sua amiga Riley, que praticamente passa batido na história principal do jogo, mas que ganhou um grande destaque no pacote de expansão "Left Behind".

A história de amor entre Ellie e Riley ajuda o jogador entender o mais da personalidade da garota, que mesmo sendo uma adolescente, já aparenta ser bastante madura, fruto de como sua relação foi construída e terminada.

Porém, os jogos que mais mostram protagonistas gays são os RPGs. Nesse campo, a Bioware e a Atlus são as principais produtoras na hora de dar liberdade para os jogadores.

Em "Persona 2: Innocent Sin", lançado em 1999 pela Atlus, um dos personagens jogáveis era Kurosu Jun, um estudante com um laço amoroso com Suou Tatsuya, mas para os dois ficarem juntos é necessário que o jogador tome algumas decisões importantes no jogo, que mostrem o afeto a Jun. O mais divertido é que a relacionamento dos dois personagens libera um ataque especial chamado "Lovers" (amantes, em inglês).  

Já a Bioware mostrou que sempre soube deixar para os jogadores a decisão de que tipo de relacionamento eles querem ter no jogo. "Star Wars: Knights of the Old Republic", de 2003, uma aliada do jogador chamada Juhani é lésbica que tem um relacionamento com uma outra Jedi. Como a história de " Knights of the Old Republic" é considerada canônica por George Lucas, Juhani acabou se tornando o primeiro personagem gay que surgiu no universo de "Star Wars" - bem antes de Moff Mars aparecer no livro "Lords of the Sith".

Os games mais recentes da Bioware, como o já mencionado "Mass Effect", e a série "Dragon Age" também permitem que os jogadores decidam qual será a sexualidade de seus personagens, não apenas o sexo.

Na série "Mass Effect" você decide se Shepard será homem ou mulher e também permite que você flerte com outros tripulantes da nave espacial. Existem personagens bissexuais, mas existem os personagens gays, como Kelly Chambers, que só se envolve com a Capitã e Steve Cortez, que apenas se relaciona amorosamente com o Comandante.

O mesmo acontece em "Dragon Age". No mais recente game da série, "Inquisition", o personagem do jogador pode ter relacionamentos gays com a elfa Sera e com o grandalhão Touro de Ferro, por exemplo. As cenas românticas entre esses casais são algumas das melhores já feitas nos games e renderam inclusive um prêmio para a produtora BioWare.

Porém, diferente de "Persona 2", os relacionamentos em "Mass Effect" e "Dragon Age" não influenciam diretamente na mecânica do jogo, servindo para o desenvolvimento dos personagens, dando uma camada mais profunda da personalidade deles e de quem os cerca.

O que é um avanço e tanto para a narrativa dos videogames e, de certa forma, uma maneira de deixar o jogador se expressar da maneira que se sentir melhor.