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Sem Jerry Lawson você não conseguiria pausar partidas ou jogar sozinho

Jerry Lawson foi o criador do Fairchild Channel F, primeiro console da história a permitir que os jogadores utilizassem cartuchos com jogos, pausarem partidas e jogarem contra uma inteligência artificial - Reprodução
Jerry Lawson foi o criador do Fairchild Channel F, primeiro console da história a permitir que os jogadores utilizassem cartuchos com jogos, pausarem partidas e jogarem contra uma inteligência artificial Imagem: Reprodução

Rodrigo Lara

Do Gamehall

03/05/2016 14h16

Imagine a seguinte situação: você está enfrentando um "chefão" de fase e, no meio da luta, seu telefone toca. Instintivamente você aperta um botão do controle e a ação congela enquanto você calmamente pode conversar com a pessoa do outro lado da linha ou responder a uma mensagem.

O mesmo vale para o simples ato de você poder jogar sozinho e enfrentar inimigos controlados pela inteligência artificial programada em cada game, sem a necessidade de ter outra pessoa para competir. É possível ir além: que tal ter um número baixo e limitado de jogos disponíveis para o seu console, sem a possibilidade que empresas criem novos títulos?

Padrões na indústria de jogos atual, a possibilidade de pausar partidas, de enfrentar inimigos controlados "pelo computador" e ter novos games lançados com frequência simplesmente não existiam nos primeiros aparelhos de videogame. Isso mudou em 1976 com o lançamento do Fairchild Channel F, criação de Gerald Anderson "Jerry" Lawson, um programador norte-americano nascido no bairro do Queens, Nova York, em 1940.

Menu de pausa - Reprodução - Reprodução
Pausar um jogo pode ser algo simples e corriqueiro hoje em dia, mas há 40 anos não era assim: o simples ato de atender um telefone ou ir ao banheiro significaria uma partida perdida
Imagem: Reprodução

Um peixe fora d'água

A história de Lawson é particularmente curiosa por diversos fatores. A começar pelo fato de ele ter sido um dos poucos negros a atuar na região conhecida como Vale do Silício, na Califórnia, durante os anos 1970, época na qual o mercado de trabalho local era quase que totalmente dominado por brancos - a situação melhorou, mas ainda persiste nos dias atuais - e por acabar atuando em um segmento pouco desenvolvido da indústria de tecnologia.

Lawson era proveniente de uma família humilde e teve toda sua educação realizada em instituições públicas de ensino, sendo que sua mãe escolheu pessoalmente escolas de qualidade para que seu filho tivesse uma boa formação. Já o gosto do seu pai por tecnologia acabou influenciando o futuro do filho e o ajudou a desenvolver seu talento. Prova disso é que o garoto, por volta dos seus 12 anos de idade, chegou a montar uma pequena emissora de rádio a partir de um aparelho amador que ganhou de presente. Detalhe: as adaptações para tal foram criadas por ele mesmo.

Após trabalhar um tempo consertando e montando aparelhos eletrônicos, Lawson acabou indo trabalhar no outro lado do país, na Califórnia, em uma empresa chamada Kaiser Electronics, onde atuou até a oportunidade em uma empresa chamada Fairchild Semiconductor surgir.

Enfrentando o ceticismo

Quando começou na Fairchild, além da já citada questão racial, Lawson também encontrou uma indústria de games ainda em estado embrionário - tanto que desenvolver jogos eletrônicos passava longe de suas aspirações profissionais. O seu primeiro trabalho na Fairchild foi treinar outros profissionais na utilização de um antigo computador DEC PDP-8, o qual ficou acomodado na garagem de sua casa. Na Califórnia, Lawson também entrou para o Homebrew Computer Club, um clube local que reunia interessados por computadores. Lá ele conheceu Steve Wozniak e Steve Jobs, que viriam a fundar a Apple. Futuramente, Lawson foi o responsável por avaliar - e não contratar - Wozniak na Fairchild.

À época, a Fairchild havia desenvolvido um microprocessador chamado F8 e Lawson, em seu tempo livre, acabou criando uma aplicação para esse componente: um jogo chamado "Demolition Derby". O programador também construiu um gabinete e instalou o conjunto em uma pizzaria da região. O clássico "Pong" havia sido lançado poucos meses antes.

Chefe - Dark Souls III - Reprodução - Reprodução
Enfrentar inimigos gigantescos e poderosos está entre as partes mais empolgantes de jogos de videogame. Nada disso existiria sem a contribuição de Lawson à indústria
Imagem: Reprodução

O interesse gerado por essa espécie de arcade rudimentar foi suficiente para fazer com que a Fairchild, que inicialmente não havia gostado do uso que Lawson fez do seu microprocessador, o procurasse para que ele desenvolvesse videogames para a empresa. O resultado disso tudo é que, pouco tempo depois, ele se tornou chefe da divisão de jogos da empresa, atuando diretamente com o desenvolvimento do console Fairchild Channel F.

Posteriormente, em uma entrevista ao jornal San Jose Mercury News, Lawson disse a razão pela qual ele resolveu trabalhar com games: "Fiz isso porque as pessoas diziam 'você não pode fazer isso'. Eu sou aquele tipo de cara que quando escuto que não consigo fazer algo, eu vou lá e faço".

Passo em direção ao futuro

O Fairchild Channel F foi lançado em 1976 e mudou diversos padrões na indústria de games até o momento. Para começar, ele foi o primeiro console a contar com um microprocessador dedicado, o já citado F8. O potencial desse chip permitiu a programação de inteligência artificial nos games. Ou seja: não era mais necessário chamar uma outra pessoa para jogar.

Fairchild Channel F - Divulgação - Divulgação
Lançado em 1976, o Fairchild Channel F inaugurou a segunda geração de consoles e trouxe inovações que mudaram a indústria de jogos
Imagem: Divulgação

Outra grande novidade introduzida com o Channel F foi a utilização de cartuchos com programação própria, o que envolveu um desafio extra na criação do console por demandar, entre outras coisas, um sistema robusto que aguentasse trocas constantes de "fitas". Além de oferecer mais variedade aos jogadores, a medida foi a pedra fundamental para o surgimento de empresas especializadas no desenvolvimento de jogos.

Por fim, o controle do console vinha com um botão chamado "Hold", que abriu a possibilidade dos jogos serem pausados.

O algoz

Com tantos predicados, a dúvida que surge é: por que tanto Lawson quanto o Channel F não se tornaram nomes conhecidos na indústria de jogos? A resposta para isso é: Atari 2600.

Quando o Channel F foi lançado, a Atari estava desenvolvendo um console capaz de rodar cartuchos de games. Um ano tempo depois, chegava ao mercado o Atari VCS, que 1982 teve seu nome trocado para Atari 2600. Com desempenho superior em gráficos e som, graças a um memória RAM duas vezes maior do que a do concorrente, o novo console transformou o aparelho da Fairchild em peça de museu assim que foi lançado.

Atari 2600 - Reprodução - Reprodução
O algoz do Channel F foi um console bem conhecido dos brasileiros: o Atari 2600 trazia funções similares ao concorrente, porém oferecia gráficos e sons melhores
Imagem: Reprodução

Isso motivou a Fairchild a abandonar o segmento de games e vender os direitos sobre o Channel F para uma empresa chamada Zircon International, em 1979. Lawson, por sua vez, saiu da companhia em 1980, fundando a Videosoft, com o intuito de desenvolver jogos justamente para o Atari 2600, mas saiu de vez dos holofotes e acabou sendo esquecido pela indústria.

Cerca de 30 anos depois, porém, a Game Developers Association, por meio do chefe de seu comitê de diversidade, Joseph Saulter, resolveu honrar os feitos de Lawson e o convidou para receber um prêmio pela sua contribuição para a indústria de games durante da Game Developers Conference de 2011, realizada em San Francisco.

O reconhecimento veio em tempo, uma vez que Lawson, portador de diabetes, acabou morrendo um mês após receber a honraria, deixando sua esposa, sua filha e seu filho. E, claro, sua contribuição por criar as bases de conceitos fundamentais que vemos até hoje no mundo dos games.