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"Mafia III" traz ótima narrativa, mas sofre com missões repetitivas

Victor Ferreira

Do UOL, em São Paulo

13/10/2016 18h14

Quando tive a chance de jogar “Mafia III” pela primeira vez, em abril, notei que era um game com potencial, mergulhado em um jogo de ação em mundo aberto genérico.

Seis meses e quase 40 horas de jogo depois, e a impressão final é... essencialmente a mesma. “Mafia III” é excelente em vários aspectos, desde a história e estética de uma cidade do Sul dos EUA nos anos 1960, até as mecânicas de combate e a estrutura das missões principais do jogo.

Por outro lado, para chegar na maior parte deste conteúdo de qualidade o jogador é forçado a repetir a mesma estrutura básica de missões por horas a fio, com o bem ocasional momento de variedade.

Isso sem falar nos vários problemas técnicos do game, que variam entre o divertidamente bizarro até o cansativo e irritante

É uma experiência ao mesmo tempo brilhante e frustrante, difícil de recomendar mas ainda assim memorável – isto é, se você conseguir superar seus diversos problemas.

Tempo de vingança

Ao contrário de seus predecessores, “Mafia III” não coloca o jogo no controle de um gângster italiano, e sim de Lincoln Clay, um criminoso afro-americano e veterano da Guerra do Vietnã que vê sua família adotiva ser assassinada por Sal Marcano, mafioso que comanda a cidade de New Bordeaux – inspirada por Nova Orleans.

Nota de Mafia III - Montagem/UOL - Montagem/UOL
Game foi avaliado no PlayStation 4
Imagem: Montagem/UOL

A narrativa e estética de New Bordeaux são de longe a parte mais forte de “Mafia III”, que utiliza uma linguagem de documentário para recriar a trajetória criminosa de Lincoln, baseando evento do jogo em entrevistas com versões “contemporâneas” de personagens da história.

A Hangar 13 aproveitou bem as licenças musicais adquiridas para o jogo, dando o tom e impacto de cenas importantes com canções de bandas como Rolling Stones, Creedence Clearwater Revival, Sam & Dave, entre outros.

New Bordeaux em si também é um atrativo à parte, não necessariamente por seu tamanho ou variedade de locais, mas principalmente pelo que representa neste ponto da história americana. Assim como Nova Orleans, ela é uma cidade localizada no Sul dos EUA, e assim como outros lugares desta região em 1968, era palco de um embate entre a população branca e membros do movimento dos Direitos Civis.

O racismo é uma parte íntegra de “Mafia III”, não só na forma em que personagens da história reagem a Lincoln e alguns de seus associados, mas também implementado em diversas mecânicas do jogo. Certas lojas e estabelecimentos tem políticas claras de segregação racial, e seus donos irão constantemente seguir a assediar o jogador até que ele saia – ou, se você for como eu, até serem nocauteados com um cruzado de direita bem colocado.

O tempo de reação da polícia também depende de cada parte da cidade: em bairros com população predominantemente negra, as viaturas demoram a chegar; já regiões mais afluentes e com maior parcela de brancos tem uma resposta quase imediata.

(Embora, curiosamente, o jogador não precisa mais respeitar as leis de trânsito como os dois games anteriores).

Claro, isso não quer dizer que o jogo seja um estudo das políticas raciais dos EUA em meados do século XX, mas ajuda a dar um tom para o resto do jogo, incluindo algumas das missões mais elaboradas, em que é preciso se infiltrar em um evento especial para a elite branca e drogá-los com LSD.

Ciclo sem fim

Para destruir o império de Sal Marcano, Lincoln deve tomar as diferentes regiões de New Bordeaux, com ajuda de três subchefes: Vito Scaletta, protagonista de “Mafia II”; Cassandra, líder da gangue haitina; e Thomas Burke, que comanda os criminosos irlandeses da cidade.

Para tomar estes territórios, Lincoln deve primeiro adquirir os esquemas criminosos deles, para depois matar o líder da área e oferecê-la a alguma de seus tenentes.

E é aí, infelizmente, que mora o maior problema de “Mafia III”: para tomar estes esquemas, o jogador deve repetir quase sempre as mesmas missões de novo e de novo.

E de novo.

Enquanto jogos semelhantes como “Saints Row” e “Sleeping Dogs” conseguem dar mais longevidade ao variar os tipos de missões, “Mafia III” sofre com uma constante monotonia. Independente da “mercadoria” do esquema – prostituição, jogos de azar, drogas, etc. –, o objetivo quase sempre acaba sendo uma versão de “vá até este ponto e mate estes caras”. Ocasionalmente também tem o “vá para este ponto, mate estes caras, e interrogue o que sobrar”.

As missões principais para assassinar o líder de cada região fogem um pouco deste padrão, e acabam sendo algumas das melhores partes da campanha, incluindo a já mencionada infiltração no evento dos ricaços, além de um tiroteio em um hotel de luxo e uma luta de boxe ilegal.

Para chegar a elas, porém, o jogador deve repetir os mesmos objetivos até todos os esquemas estarem sob seu comando, e isso leva tempo e pode torrar a paciência de qualquer um.

O combate ajuda um pouco a ignorar esta rotina, com uma sensação satisfatória de peso e impacto ao disparar as diferentes armas, e animações bem trabalhadas de inimigos ao cair em diferentes locais e superfícies – o que acaba compensando a sua inteligência artificial fraca.

Além disso, o novo game chega a remover certos aspectos típicos de mundo aberto presentes em “Mafia II”. Não é possível, por exemplo, customizar Lincoln com novas roupas ou visuais, ao contrário de Vito.

De certa forma, “Mafia III” chega a ter o problema oposto de seu predecessor: enquanto “Mafia II” não parecia querer se passar em um mundo aberto, o novo jogo aceita esta liberdade, mas não parece saber muito o que fazer com ela.

Mafia III - Bug - Reprodução - Reprodução
Os bugs de "Mafia III" fazem os habitantes de New Bordeaux agirem de forma... atípica
Imagem: Reprodução

Problemas técnicos

Além da estrutura repetitiva, “Mafia III” também não parece ser um jogo que recebeu polimento suficiente antes de seu lançamento,a se julgar por seus diversos bugs e problemas de otimização.

Muitos destes bugs acabam sendo inofensivos, como o da foto acima. Nada de muito incomum em jogos de mundo aberto, mas bizarro o suficiente para ser notado.

Ocasionalmente, porém, alguns problemas afetam as missões de forma negativa, como personagens sendo trancados para o lado de fora de prédios e impedindo o progresso da missão.

Dando foco momentâneo à versão de PC, também é possível ver que seu processo de otimização foi pouco priorizado. Originalmente travado com em 30fps, o game foi atualizado para ter diferentes opções de taxa de quadros, mas meu computador – que consegue rodar tranquilamente  “The Witcher 3” e “GTA V” em alta qualidade a 60 fps – raramente ultrapassava a marca de 45fps.

Isso até não seria um grande problema se os efeitos de iluminação e antiserrilhamento não piorassem o visual do jogo.