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Greve de dubladores nos EUA pode afetar grandes lançamentos de 2017

Sindicato de atores americanos entrou em greve contra estúdios de games na última semana - Reprodução
Sindicato de atores americanos entrou em greve contra estúdios de games na última semana Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

25/10/2016 11h23

Na última sexta-feira (21), o sindicato americano SAG-AFTRA, que representa atores de filmes, televisão e multimídia, declarou uma greve envolvendo prestadores de serviços para 11 grandes empresas relacionadas à indústria de games. A reivindicação envolve benefícios para trabalhos de dublagem em jogos de videogame.

A lista de empresas inclui algumas de grande porte, como a Electronic Arts, Warner Bros., Insomniac Games e Take Two Interactive (empresa mãe tanto da 2K Games quanto da Rockstar Games), e pode afetar a produção de diversos jogos anunciados - como o recém revelado "Red Dead Redemption 2" - ou ainda em desenvolvimento inicial destas produtoras.

O primeiro piquete foi realizado em frente à sede da EA em Los Angeles ontem (24), e reuniu mais de 250 pessoas em apoio à iniciativa.

Entre os defensores de melhores condições para dubladores estão algumas das vozes mais conhecidas do mundo dos games, como Jennifer Hale (mais conhecida por seu papel como a versão feminina da Comandante Shepard em "Mass Effect") e Steve Blum (que chegou a ter seu nome incluído no Livro dos Recordes por ter feito dublagem em mais de 400 jogos), entre outros.

Mas porque está greve esta acontecendo agora? E o que está em jogo nestas negociações?

The Last of Us - captura de movimentos - Reprodução - Reprodução
Além do trabalho de dublagem, em muitos casos os atores também devem recriar os movimentos dos personagens de um game, como foi caso de Troy Baker (Joel) e Ashley Johnson (Ellie) em "The Last of Us"
Imagem: Reprodução

Riscos de trabalho

A ameaça de uma greve de dubladores nos EUA não é de hoje: o SAG-AFTRA tem discutido e negociado com as empresas de games desde o início do ano passado, quando o antigo acordo feito entre as duas partes terminou.

Em seu panfleto sobre a iniciativa, a organização chega a mostrar as diferentes datas nas quais se reuniu com representantes destas empresas para negociar um novo contrato, entre o início de fevereiro de 2015 até outubro deste ano.

O sindicato argumenta que o antigo contrato havia sido feito nos anos 1990, e que a profissão de dublagem relacionada à indústria de games evoluiu significativamente nas últimas décadas, e vários elementos do antigo acordo precisam ser revisados.

Entre os principais riscos para os atores estão o stress nas cordas vocais causado pelas constantes horas de gravação, que em casos extremos podem causar danos severos e levar a cirurgias e meses de recuperação.

"Pessoalmente já perdi minha voz por mais de uma semana várias vezes, desmaiei de tanto gritar, e cheguei a vomitar e sangrar pela garganta", diz Blum em uma gravação em apoio à greve. "E eu sou um dos sortudos que até o momento não sofreu dano permanente."

Hale reforça este ponto em uma entrevista com a rádio americana NPR. "Tenho amigos que precisaram fazer cirurgias pelo estresse vocal causado na sessão e estão sem trabalhar por meses."

Outro elemento discutido é a inclusão de captura de movimento para os jogos, que em muitos casos é feito sem ajuda de um coordenador de dublês, o que pode causar acidentes durante as filmagens, de acordo com Blum.

Talvez a revelação mais estranha desde o início da greve tenha sido o fato de que, em muitos casos, o dublador nem sabe qual é o seu personagem, ou mesmo o jogo em que está trabalhando no momento.

"Não posso imaginar nenhum trabalho de atuação no mundo em que você não sabe em que programa vai estar quando for contratado", disse o dublador Keythe Fairley, que também é chefe do comitê de negociações. "E de alguma forma isso acontece todos os dias no mundo dos videogames."

"Eu era um personagem central de 'Fallout 4', chamado Kellogg, e nunca soube que estava trabalhando em 'Fallout 4' pelo ano e meio em que fiz as gravações para aquele game", continuou.

Exigências controversas

Para atualizar estes termos, membros do SAG-AFTRA elaboraram um novo acordo para trabalhos de dublagem, e certos elementos têm causado controvérsia dentro da indústria de games.

Talvez o maior ponto de contestação seja o fato de que os dubladores estejam pedindo uma compensação residual caso o jogo venha a ser um sucesso de vendas, com bônus fixos a cada 2 milhões de vendas (ou assinaturas online, no caso de MMOs), com teto previsto para 8 milhões de cópias.

No total, cada dublador receberia US$ 3.300 extras por seu papel em um jogo de extremo sucesso como "Grand Theft Auto" e "Call of Duty".

O problema maior é que, em geral, nem mesmo designers ou programadores destes jogos recebem este tipo de compensação como base (embora não seja incomum para estúdios dar bônus a membros da equipe de um título de sucesso), e são considerados muito mais importantes para o funcionamento de um game do que o trabalho de dublagem.

"Não é por falta de respeito a estas pessoas. Meu comitê adora estas pessoas e aprecia seu trabalho. Elas são incrivelmente talentosas", declarou Scott Witlin, advogado que representa as grandes empresas de jogos, para a NPR. "O problema é que a posição deles não se encaixa nesta indústria. Pode se encaixar em outras, mas não na de videogames por causa da natureza das produções e o jeito que as companhias são organizadas."

Outros termos exigidos pelo novo contrato incluem a adição de um coordenador de dublês para as gravações de captura de movimentos, além de mais transparência por parte das empresas em indicar qual será o papel a ser dublado - o que, de acordo com Steve Blum, pode ajudar o ator a não só ter mais informações antes de negociar com o estúdio, como também contribuir para uma performance melhor.

Em entrevista com o site Destructoid, a presidente do SAG-AFTRA, Gabrielle Carteris, disse que as companhias não ofereceram nenhuma proposta de cláusula de transparência. Witlin, porém, revelou documentos mostrando uma contraproposta das empresas para informar o intérprete sobre diversas informações sobre o papel, incluindo o título, descrição de gênero, tempo de gravação estimado, uso de linguagem e conteúdo impróprio, reprise de um papel e captura de movimentos.

Por enquanto, o sindicato não comentou sobre a proposta revelada por Witlin.

NBA 2K17 - Michael B. Jordan - Reprodução - Reprodução
O ator Michael B. Jordan ("Creed") interpretou um dos personagens centrais do modo carreira de "NBA 2K17"
Imagem: Reprodução

Jogos em risco

Em sua página dedicada à greve, o SAG-AFTRA indica que qualquer jogo das 11 companhias que tenha entrado em produção depois de 17 de fevereiro de 2015 não terá participação de atores representados pelo grupo.

Pela natureza mais fechada destas empresas, é difícil saber exatamente quais títulos serão afetados pela greve. Jogos como "Mass Effect: Andromeda" e "Red Dead Redemption 2", por exemplo, podem estar em produção há mais tempo do que a data limite prevista pelo sindicato (e mesmo assim DLCs e expansões provavelmente entram em uma área nebulosa).

As franquias anuais, como "NBA 2K" e "Call of Duty", por outro lado, podem sofrer mais com a grave, já que seu ciclo de produção é relativamente mais curto, além de trazer figuras mais conhecidos pelo público, como Kevin Spacey, Kit Harington e Michael B. Jordan, que em geral são representados pelo sindicato de atores.

O maior risco envolve jogos ainda não anunciados ou em estágio de produção inicial. Jogos licenciados de "Star Wars", como o novo projeto da antiga diretora criativa de "Uncharted", Amy Hennig, podem sofrer com a decisão dos atores.

Dependendo de sua data de produção, é possível que o jogo do Homem-Aranha para o PS4 produzido pela Insomniac também seja afetado, especialmente ao considerar que o dublador do super-herói, Yuri Lowenthal, é um defensor da causa.

Também é importante notar que nem todos os estúdios de jogos contratam dubladores sindicalizados para trabalhar em seus games, como é o caso da Atlus (de "Persona"), embora os atores em greve tenham dito que há apoio por parte deste grupo.

"Organizei pessoalmente três encontros na minha casa com a comunidade não-sindicalizada, e há muito apoio por lá", disse Jennifer Hale. "Porque eles reconhecem que o que está em jogo é a própria habilidade de comprar uma casa no futuro, de levar seus filhos para a escola."

Consequências

Por enquanto é difícil prever como os estúdios reagirão à greve, embora por enquanto seja pouco provável que os grandes lançamentos citados acima cheguem a ser adiados por sua causa.

O risco maior está justamente na qualidade do trabalho feito por estes atores ao dublar e fazer a movimentação de personagens em jogos com ênfase na narrativa. Produções como "The Last of Us", "Mass Effect", "Grand Theft Auto", "Life is Strange", entre outros, provavelmente não teriam o mesmo impacto emocional com o jogador sem a interpretação de figuras como Troy Baker, Ashley Johnson, Jennifer Hale, Steven Ogg, Ashly Burch, entre outros nomes que o público talvez não conheça, mas cuja voz certamente é reconhecível.

"Sentei em uma sala e um negociador de um dos estúdios disse que 'ninguém se importa com a dublagem nos games. Qualquer um pode fazer isso'", escreveu o dublador JB Blanc, cujas dezenas de créditos em jogos incluem desde Ryotaro Dojima em "Persona 4" até o vilão Zinyak em "Saints Row IV".

A verdade, porém, é que o talento do intérprete pode adicionar ou tirar muito de um trabalho de dublagem, como o público brasileiro pode atestar com os casos de Roger do Ultraje a Rigor em "Battlefield: Hardline" e Pitty em "Mortal Kombat X": celebridades conhecidas pelo público, mas com pouca ou nenhuma experiência no meio e sem a direção correta, o que se refletiu claramente no produto final.

Há o argumento válido de que produtores e designers de jogos deveriam ter prioridade ao receber benefícios semelhantes, mas há de se levar em consideração o histórico de cada profissão, já que o SAG-AFTRA é composto por entidades com décadas de experiência em defender direitos trabalhistas de atores, enquanto a comunidade de desenvolvedores não parece ter interesse em formar um grupo para fazer estes tipos de pedidos.

De qualquer forma, o ideal é que algum tipo de acordo seja feito em breve, já que jogos que dependem do talento destes atores podem sofrer significativamente caso este impasse siga em frente.