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"A Atari foi estúpida," diz criador da empresa sobre 'crash' de 1983

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Claudio Prandoni e Rodrigo Lara

Do UOL, em São Paulo

16/10/2017 04h00

É fácil confundir Nolan Bushnell, um alto senhor de cabelos brancos, com um vovô como qualquer outro. Discreto e dono de uma fala tranquila, ele passa longe de transparecer quem realmente é: um dos pais da indústria de games.

Em 1972, ele e seu sócio, Ted Dabney, fundaram a Atari, empresa que cinco anos depois foi vendida para a Warner por US$ 28 milhões. Uma fábula à época.

E é justamente com essa mesma tranquilidade que Bushnell - que acabou sendo forçado para fora da empresa em 1978 - comenta um dos episódios mais marcantes dessa indústria: o "crash" de 1983. Para ele, o episódio que definiu o segmento como ele é hoje, ainda que por vias tortas, foi resultado de um grande erro administrativo da empresa.

"A Atari foi estúpida. Pura e simplesmente, foi isso que aconteceu", disse em entrevista exclusiva ao UOL Jogos durante o Brasil Game Show. "A maior parte da administração da empresa naquela época não era composta por jogadores. Eles eram homens de negócio, não jogavam".

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Ele cita como exemplo o fato de que a direção da empresa não achava que o videogame da época, o Atari 2600, precisava de melhorias. "Nós começamos a desenvolvê-lo no início de 1975, começamos a vendê-lo em 1977 e, em 1980, ele já era obsoleto. Mas eles não viam isso e ficavam produzindo jogos atrás de jogos e tinham cada vez mais concorrência de outros aparelhos. Pelo tipo de experiência que eles tinham, acabaram enxergando a indústria de games como se fosse a de discos".

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Sinal de uma época: o game de "E.T." era apenas um jogo terrível entre centenas de jogos terríveis
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O auge da crise

A gota d'água para a crise explodir foi o lançamento do game "E.T. the Extra-Terrestrial", em dezembro de 1982. A mistura de um alto valor para licenciar o game, pouquíssimo tempo para desenvolvê-lo e o consequente desastroso resultado final. "Não se faz um jogo em cinco semanas. O valor que eles pagaram pela licença determinou a quantidade de cartuchos que eles precisavam vender", conta. Ou seja: ao invés de atender uma possível demanda de mercado, houve a tentativa de criar uma demanda.

Como sabemos, isso não deu certo e o fracasso culminou no bizarro episódio dos cartuchos sendo destruídos e enterrados em um deserto de Alamogordo, no Novo México (EUA).

Por que enterrar os cartuchos? Mesmo já longe da Atari na época, Bushnell explicou o motivo. "Primeiramente, o jogo era tão ruim que ninguém queria ele fosse visto. Em segundo lugar, simplesmente não compensava vender os já existentes", conta.

O game foi um fracasso de crítica, com diversos consumidores pedindo reembolso após comprá-lo. Manter os cartuchos armazenados e expô-los em pontos de venda acabaria significando um custo ainda maior à já frágil Atari.

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O Atari 2600 é considerado um dos videogames mais importantes da história
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Um novo encontro com a Atari

Apesar dos caminhos de Bushnell e da Atari terem se separado, eles voltaram a se encontrar em 2010, quando ele foi nomeado membro do conselho diretor da recém-criada Atari SA. A empresa, porém, acabou falindo e sendo desmembrada em 2013.

Recentemente, porém, a empresa anunciou um novo (e misterioso) videogame: o Ataribox, um aparelho que, supostamente, será capaz de rodar tanto games antigos quanto novidades. Sobre isso, Bushnell se limitou a dizer que "é sempre bom ver um novo videogame surgir" e, com um sorriso misterioso, completou a frase dizendo que desejava "boa sorte para a empresa".

Aposentadoria que nada

Aos 74 anos, Bushnell poderia apenas estar curtindo uma (merecida) aposentadoria. Esse caminho, entretanto, passa longe do escolhido. Hoje, ele se concentra na criação de na BrainRush, uma empresa que busca usar games para fins educacionais. "As pessoas aprendem de formas diferentes e ter uma educação baseada em jogos significa que cada um pode evoluir no seu ritmo e desenvolver habilidades específicas".

Sobre o futuro dos games, ele - um visionário por natureza - diz que a tendência é que as fronteiras entre os jogos e outras formas de entretenimento tendem a ficar cada vez menos aparentes.

"Imagine você poder escolher entre ir ao cinema assistir a um filme do 'Homem de Ferro' ou presenciar a mesma história, só que de maneira interativa. E que tal usar a realidade virtual para aumentar a imersão? As possibilidades são infinitas", diz, com uma notável empolgação de uma pessoa que, ao menos uma vez na vida, já foi capaz de prever o futuro.