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Fim da rivalidade? O que está por trás da parceria entre Sony e Microsoft

Indústria bilionária de games está entrando em uma nova era - Divulgação/Gamercrate
Indústria bilionária de games está entrando em uma nova era Imagem: Divulgação/Gamercrate

Gabriel Francisco Ribeiro

Do UOL, em São Paulo

23/05/2019 12h00

Resumo da notícia

  • Sony e Microsoft anunciaram na última semana parceria para serviços em nuvem e mais
  • Acordo entre gigantes e rivais antigas dos games pode revolucionar a indústria
  • Parceria é resposta à entrada de novas empresas no mercado de games, como o Google
  • No longo prazo, consoles poderão deixar de ser necessários para jogar um game

Qualquer jogador tem uma resposta na ponta da língua para essa pergunta: e aí, prefere Xbox ou PlayStation? Essa questão, que pode deixar usuários debatendo por horas, sofreu uma inesperada reviravolta. Microsoft e Sony anunciaram na última semana uma nova parceira para o futuro dos videogames que pode instaurar uma nova era na indústria acostumada com essa rivalidade há quase 20 anos.

Se você ficou surpreso com o anúncio envolvendo as duas titãs dos videogames, não é a única pessoa. Até funcionários da própria Sony que estão desenvolvendo o próximo PlayStation 5 ficaram chocados com a notícia, como apontou a Bloomberg. E essa novidade não é pouca coisa, principalmente para a empresa japonesa, que por anos sempre manteve uma posição mais fechada entre concorrentes.

A parceria entre ambas era inimaginável até alguns anos atrás, o que mostra que muita coisa mudou em pouco tempo no mercado dos games. Em suma, a parceria entre as duas gigantes envolverá principalmente cooperação na indústria de videogames e computação em nuvem para streaming de jogos. Mas os motivos para esse acordo e a ambição por trás dele vão muito além.

O que é a parceria

Graças à inusitada parceria que teve as negociações iniciadas em 2018, a Sony poderá usufruir da infraestrutura de nuvem da Microsoft, que detém a plataforma Azure. O projeto ainda prevê uso de data centers pela Sony, além da utilização por parte da empresa japonesa de ferramentas avançadas de inteligência artificial providas pela Microsoft.

"A Microsoft tem sido há anos um parceiro comercial importante para nós, embora as duas empresas também estejam competindo em certas áreas. O desenvolvimento conjunto de futuras soluções em nuvem contribuirá muito para o avanço do conteúdo interativo", afirmou Kenichiro Yoshida, presidente e CEO da Sony.

Microsoft, do Xbox, e Sony, do PlayStation, passaram de velhos rivais a parceiros - Reprodução - Reprodução
Microsoft, do Xbox, e Sony, do PlayStation, passaram de velhos rivais a parceiros
Imagem: Reprodução

Dizer que as "empresas competem em certas áreas", por sinal, é um grande eufemismo de Yoshida. Há quase 20 anos tanto Microsoft e Sony disputam a preferência dos jogadores, cada uma com seu console, lançamentos exclusivos e estratégias próprias. Essa rivalidade fez surgir verdadeiras comunidades que espalham seu amor por uma plataforma e ódio por outra online. Agora, as duas empresas mudaram o foco para falar de "projetos mútuos".

Empolgado com as oportunidades futuras com a Sony para que possamos perseguir nossas ambições mútuas nos games e encantar os jogadores ao redor do mundo
Phil Spencer, chefão do Xbox, em mensagem no Twitter

É uma parceria audaciosa, com poucas informações ainda reveladas e muito mais a ser explicado - as duas empresas ainda trocarão tecnologias de sensores de imagem e na área de semicondutores. A ideia é que a que Sony e Microsoft se ajudem para transmitir jogos e conteúdos, além de dar novas possibilidades aos desenvolvedores. Por trás dessa parceria, contudo, há algo maior: o risco de as empresas serem tiradas do mercado.

Reação à concorrência

A parceria estratégica é, claramente, uma resposta a Google e Amazon. Ambas as gigantes têm planos de criar plataformas de streaming de games e ameaçam o mercado dominado pelos dois consoles mais populares atualmente. Essas futuras plataformas farão com que os usuários possam jogar games sem precisar baixá-los em seus dispositivos.

O Google, por exemplo, já revelou seu serviço de streaming de jogos na nuvem chamado de Stadia. A ideia é que bastaria a usuários terem uma conexão de internet para poderem jogar games - seja no navegador de um computador ou em celulares, sem necessidade de máquinas turbinadas. Um jogo funcionaria em todas as plataformas, o que, se tudo funcionasse bem, eliminaria o apelo dos consoles.

Além do Google, a Amazon também tem planos de lançar um serviço de streaming em nuvem próprio. A empresa, juntamente a Google e Microsoft, está entre as que possuem infraestrutura e experiência suficientes para operar os novos serviços que podem transformar a indústria de jogos em larga escala.

Google anuncia Stadia, serviço de streaming para games - Stephen Lam/Reuters - Stephen Lam/Reuters
Stadia, serviço do Google, quer revolucionar a indústria dos jogos com espécie de "Netflix"
Imagem: Stephen Lam/Reuters

Outra gigante dos videogames, a Nintendo também deverá fazer uma movimentação nesse sentido nos próximos anos. Recentemente, a marca vem estreitando laços com a Microsoft e, com o futuro caminhando para serviços de streaming de jogos, provavelmente escolherá uma parceria grande para operar seus servidores.

Até o momento, plataformas de streaming de jogos ainda engatinham. A Sony, por exemplo, tem o PlayStation Now há alguns anos, mas o grosso das vendas vem, no final das contas, das vendas de jogos físicos ou digitais para usuários de consoles. Outras empresas nesse caminho são a EA, com o Project Atlas, a Nvidia com a GeForce Now, e a a Valve com o Steam Link, entre outras.

Na prática, o futuro se molda cada vez mais para que aos poucos os games tenham sua Netflix, Amazon Prime, Disney+, HBO Go e afins como já ocorre com conteúdos.

Um dos grandes problemas de serviços do tipo, porém, está na latência - a resposta da conexão do usuário em relação ao servidor e vice-versa. Isso pode ser minimizado com servidores mais próximos dos usuários em várias cidades pelo mundo, mas demanda um enorme investimento em infraestrutura.

Futuro da indústria bilionária em jogo

A movimentação de Sony e Microsoft envolve o futuro de uma indústria avaliada em nada menos do que US$ 135 bilhões e que deve passar por sérias transformações nos próximos anos. Há até mesmo a possibilidade de os consoles "sumirem" ou ficarem cada vez mais dependentes dos nichos.

Essa possibilidade foi reconhecida até mesmo pelo CEO da Sony, que apontou que as tecnologias evoluem com o tempo. Sem a venda de consoles, contudo, a renda das duas gigantes do mercado de videogames pode ser seriamente afetada, o que implica nessa busca por outros modelos de receita.

O 'queridinho' da vez de companhias ao redor do mundo é a área dos serviços, impulsionada pelo boom da Netflix. A própria Apple parou de dar importância à venda de iPhones e outros dispositivos para focar na crescente receita com seus serviços - isso inclui o Apple Music e as recentemente lançadas plataformas de vídeo e notícias.

O que muda para você

Por enquanto, o usuário que já está acostumado a jogar games nos moldes atuais não deverá ser afetado. O anúncio da parceria não atrapalha, por sinal, os esforços das duas companhias na construção dos consoles da próxima geração, que podem ser anunciados para 2020.

Xbox e PlayStation sequer foram citados pelos executivos em meio ao anúncio - e as equipes que trabalham nos sistemas nem foram avisadas da parceria. Mas, para o futuro, a realidade pode mudar.

O sistema atual em que usuários, por exemplo, pagam R$ 1.500 em um console e depois mais R$ 250 em cada grande lançamento de jogo corre grande risco de acabar e ser substituído pelo streaming. Sony e Microsoft, por sinal, podem nem ter um serviço único de streaming, mas sim oferecer hardware em comum para facilitar a vida de desenvolvedores que farão jogos para os sistemas - algo semelhante já ocorre nos próprios consoles, cada vez mais semelhantes, e deve ser estendido à nuvem com a parceria.

Ao mesmo tempo, ter uma assinatura mensal de um serviço ilimitado de jogos pode não valer a pena para quem for gastar mais de um mês para zerar um jogo grande, o que não é raro. Não é como ver um filme ou série, que você pode terminar em algumas horas e partir para a outra.