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Depois de descobrir que podia ser feliz sozinha, ela passou a desenhar para ajudar outras mulheres

Rodrigo Casarin

09/05/2017 11h07

Foto: Matias Freitas Guimarães.

Durante muito tempo a designer Lorena Kaz, hoje com 34 anos, acreditou que não poderia ser feliz sozinha. Ela tinha certeza de que a felicidade e a realização pessoal dependiam diretamente de um relacionamento bem-sucedido. Somente quando percebeu que isso lhe levou para uma situação na qual sofria abusos que decidiu buscar ajuda e conheceu o termo "dependência emocional", com o qual prontamente se identificou.

Quando recuperou sua autoestima, notou que auxiliar outras mulheres em situação semelhante lhe trazia certo alívio e passou a estender a mão como era possível. Passados alguns anos, conheceu o grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas e nele descobriu uma espécie de terapia que se baseia em relatos pessoais de moças muitas vezes desesperadas, desestruturadas e desamparadas por conta dos mais diversos abusos, físicos e emocionais, que sofrem em um relacionamento. Desabafam, contam suas tristes histórias e percebem que ali há muita gente disposta a escutá-las.

"Não há resposta e nem conselhos sobre a partilha que cada um faz. Ouvindo os relatos de outras pessoas em situações parecidas, conseguimos nos enxergar e enxergar nosso problema de um outro ângulo. As histórias dos outros nos servem como espelhos", conta Lorena ao blog. "Elas [as mulheres que procuram o grupo] estão em relações afetivas muito sofridas e normalmente lidando com a iminência de um término. Algumas foram abandonadas, trocadas, traídas e outras tentam terminar mas não conseguem. Com o passar das semanas, acompanhamos estas mesmas mulheres ganhando tranquilidade, paz e alegria. É realmente bonito de se ver".

Depois dessa vivência, Lorena, sobrinha dos cartunistas Ziraldo e Zélio Alves Pinto, percebeu que poderia aliar os relatos que escutava ao seu trabalho como quadrinista para, de forma lúdica, despertar a consciência das pessoas e refletir a respeito dos sentimentos, da dependência emocional e da opressão que sofrem. Dessa forma nasceu o "Projeto Morrer de Amor – Apoio Emocional", cuja página do Facebook se aproxima dos 180 mil seguidores. No endereço, a artista compartilha ilustrações e HQs, além de promover discussões sobre os temas de tal universo. "Fala-se muito sobre violência física, mas muito pouco sobre outros tipos de abuso, como o verbal e o psicológico", diz Lorena.

E o projeto acaba de ser transformado no livro "Morrer de Amor e Continuar Vivendo", publicado pela Amora Editora, que reúne 64 HQs, algumas delas inéditas. Nos quadrinhos encontramos, por exemplo, uma senhora que deseja se transformar em uma modelo "capa de revista" – o que literalmente acontece – e uma garota que tenta convencer os outros de que está bem, apesar de ser maltratada de diversas formas.

Criança na coleira?

Nem todas as HQs da artista, no entanto, tratam de relacionamentos entre enamorados, possuem uma mensagem direta ou uma única interpretação possível. Dentre suas histórias, uma das que mais despertam a atenção dos leitores é a da moça que vai buscar o provável filho na escola, o leva para casa numa coleira e, ao chegar, dá um abraço no cachorro, algo que não tinha feito com a criança. Qual seria a mensagem por trás dessa arte?

"Esta historinha é interessante porque as pessoas fazem interpretações diferentes. Quando a publiquei no Facebook, recebi comentários de pessoas dizendo 'É verdade, animal é melhor que humano', pessoas dizendo 'Você não sabe como a coleirinha é importante, pois evita que a criança se acidente. A coleirinha é um ato de amor', assim como recebi comentários de pessoas falando que estamos tratando os animais melhor do que os humanos, entre muitos outros", conta.

"É disso que eu gosto. Promover a discussão, promover o pensar. Eu sinceramente não tenho opinião alguma formada sobre este tema, já que eu não tenho filhos e nem cachorro… Ao mesmo tempo, ver uma pessoa com o bebê no chão e o cachorro no colo me parece uma cena curiosa e resolvi retratá-la", continua, para depois manter significado do quadrinho em aberto: "As interpretações eu 'deixo para os universitários'".

Veja alguns quadrinhos de Lorena (clique nas imagens para ampliá-las):

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.