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Autora cria universo feminino macabro e vê seu 1º livro virar filme de Hollywood

Anna Snoekstra, autora de "Única Filha" - Heather Lighton
Anna Snoekstra, autora de "Única Filha" Imagem: Heather Lighton

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

20/04/2017 10h38

Uma garota desaparecida misteriosamente há 11 anos e uma impostora que se passa por ela para escapar de uma situação em que seria presa. Uma família obscura, mas acolhedora. Um desfecho surpreendente. Este é o enredo que levou "Única Filha", livro de estreia de Anna Snoekstra, uma australiana de 28 anos, a cair nas graças de Hollywood.

A história macabra é uma costura de fábulas e situações reais, mas surgiu na cabeça da jovem escritora depois de um susto com o barulho de vidro estilhaçado em um furto durante a madrugada. Com o livro publicado nos Estados Unidos quase ao mesmo tempo em que foi lançado na Austrália, a Universal Studios se interessou pelo suspense da autora desconhecida e logo comprou os direitos para transformar a obra em filme.

"Única Filha" já tem até roteirista escalada, Erin Cressida Wilson, a mesma do filme "A Garota no Trem", que também surgiu de um livro adaptado e fez barulho nas bilheterias no ano passado com Emily Blunt como protagonista. 

"São livros de suspense, escritos por mulheres, e suas protagonistas têm segredos. Mas as semelhanças param por aí", esclarece Anna, em entrevista ao UOL. Sobre as possíveis comparações com o romance de Paula Hawkins? "A protagonista do meu livro é mais jovem e a trama central não envolve marido e mulher, e sim duas mulheres."

Mas o cinema não é ambiente desconhecido para a autora. Antes de tomar coragem para botar no papel a história que martelava em sua cabeça desde os "vinte e poucos anos", Anna assinou direção, roteiro e produção de três curtas-metragens.

"Quando eu comecei a escrever o livro, estava trabalhando em um cinema à noite e escrevendo durante o dia. Eu sempre amei filmes, então quando a Universal me procurou para conversar sobre uma adaptação, fiquei chocada", relembra.

"Achei que só a minha família iria ler"

Única Filha - Divulgação - Divulgação
"Única Filha" é o primeiro livro de Anna Snoekstra
Imagem: Divulgação

Mas a escrita não era o plano B na vida dela. Anna deixou a capital Canberra aos 17 anos para estudar escrita criativa e cinema em Melbourne. Na faculdade, os próprios professores a alertaram sobre as dificuldades de se publicar um livro na Austrália. "Eu sempre me policiei para manter minhas expectativas bem baixas [...] A maioria dos autores precisa manter um segundo emprego para pagar as contas."

Ela então adiou os planos de seu primeiro livro, mas não conseguiu guardar a história por muito tempo, com os personagens martelando em sua cabeça. "Quando eu decidi que iria mesmo escrever, já estava conformada que provavelmente só a minha família leria. O fato de ter feito tanto sucesso e tão rápido ainda é inacreditável."

Os pais e sua irmã realmente leram "Única Filha", mas não foram só eles. O livro foi traduzido e lançado em quatro continentes. No Brasil, é o grande lançamento de abril da editora HarperCollins. E enquanto não tem sua data de estreia no cinema anunciada, Anna segue trocando ideias com a roteirista.

"Enviei vários textos para ela, a maioria sobre a fábula do Barba Azul", conta, sobre uma de suas referências para a história do sumiço da adolescente e as descobertas da impostora que se passa por ela 11 anos depois. A roteirista retribuiu com referências visuais para a adaptação, que será americanizada para facilitar o trabalho do estúdio. A história original se passa em Canberra, cidade em que a autora nasceu e cresceu.

A mudança não a incomoda. "Penso que é sim possível fazer com que 'Única Filha' se passe em um lugar diferente. Me inspirei em histórias de impostores que aconteceram ao redor do mundo: Anastásia da Rússia, Martin Guerre na França no século 16, Walter Collins em Seattle nos anos 20 e Nicholas Barclay nos anos 1990 no Texas. Isso me faz pensar que a história contada ali é universal."

Contos macabros e desaparecidos como referência

Não foi só a ficção que inspirou Anna a criar o enredo sobre as duas meninas ruivas e sardentas que de tão parecidas driblam até a polícia. Pitadas de histórias reais e de várias épocas diferentes temperam o suspense de "Única Filha".

Veja as histórias que mais inspiraram a autora:

O Barba Azul
O Barba Azul é personagem de um famoso conto infantil escrito pelo francês Charles Perrault em 1697. Ele é um nobre que carrega uma horrível barba azul e vive em um castelo isolado. Apesar da feiúra, foi casado com seis mulheres diferentes que desapareceram em circunstâncias misteriosas. O aristocrata consegue convencer outra mulher a se casar com ele e entrega para ela as chaves de todos os cômodos do castelo. Curiosa, ela abre o único local que ele havia proibido de explorar, e a mulher acaba descobrindo o grande segredo do marido. O final da história ganhou várias versões depois do conto original ser adaptado por outros escritores pelo mundo.

Anastásia
Oficialmente, Anastásia Nikolaevna morreu aos 17 anos assassinada por soldados bolcheviques junto com os demais membros da família imperial russa, em 1918. Ela era filha do czar Nicolau 2º e da czarina Alexandra Feodorovna, os últimos governantes autocráticos da Rússia Imperial. Como seus restos mortais desaparecidos por décadas de governo comunista, rumores apontavam que ela estava viva. Por isso, várias mulheres começaram a se passar por ela. Anna Anderson é a mais conhecida entre as impostoras e chegou a ser capa de jornais e revistas se passando por Anastásia. Ela só foi desmascarada 25 anos depois de sua morte, em 2009, com a descoberta de restos mortais e finalização de exames de DNA de todos os membros da realeza.

Martin Guerre
Martin Guerre é um caso de roubo de identidade julgado em Toulouse em 1560. A história virou livro em 1561 nas palavras de Jean de Coras. Martin Guerre era um camponês que sumiu de sua aldeia e "reapareceu" anos depois na pele do impostor, que enganou até mesmo a família e viveu com sua mulher e filho por três anos. 

Walter Collins
Em 1928, o menino Walter Collins, 9, sumiu em Los Angeles. Pressionada pela mídia, a polícia então capturou um pequeno fugitivo e entregou à mãe solteira do menino como se ele fosse Walter. A mãe não aceitou a resolução bizarra encontrada e acabou internada dada como louca ao ir contra os oficiais. Mais tarde se descobriu que o verdadeiro Walter Collins havia sido assassinado por um psicopata que torturava, abusava e matava crianças em um galinheiro.

Nicholas Barclay
Em 1994, um menino de 13 anos chamado Nicholas Barclay sumiu quando voltava a pé para sua casa na cidade de San Antonio, no Texas. Quatro anos depois, um rapaz vindo da França bateu à porta da família alegando ser Nicholas. Mesmo com sotaque francês e olhos castanhos (Nicholas tinha olhos azuis), ele conseguiu convencer a família ao dizer que havia sido sequestrado por uma gangue francesa de prostituição infantil que teria trocado a cor de seus olhos. O vigarista era Frédéric Bourdin, descoberto por um investigador cinco meses depois da farsa. Ele ficou preso por seis anos. Depois de solto e deportado dos Estados Unidos, Bourdin ainda aplicou o mesmo golpe em diversos países europeus. A história inspirou o filme "O Impostor", de 2012.