Topo

Além do Jogo: 10 motivos pelos quais os jogos atuais são mais fáceis

GUILHERME SOLARI

Colaboração para o UOL

10/08/2011 10h08

Do aumento de memória às mudanças nos gostos, alguns possíveis motivos da queda da dificuldade nos games

"Existem dois tipos de jogadores de “Battletoads”, os que emperraram na fase das motos e os que estão mentindo”.
- Do livro “Os 100 Melhores Jogos”

Convenhamos, a vida dos jogadores hoje é tranquila em comparação com antigamente. Sei que pareço um ancião entediando os netinhos com histórias da dificuldade do passado, mas pense em “Contra” com suas três vidas ou os “Ninja Gaiden” e “Castlevania” que quando atingido você era empurrado para onde sempre parecia magicamente existir um abismo. “Donkey Kong”, game difícil até em comparação com outros títulos clássicos, possui mais de 80 telas ao longo de três níveis e uma partida mediana dura três. “Battletoads”, jogo que estraçalhou muitas amizades em seu modo cooperativo, foi votado o jogo mais difícil da história pelo site Gametrailers.

Claro que games difíceis ainda existem – “Ninja Gaiden”, “Devil May Cry 3” e “Demons’s Souls” são alguns exemplos recentes, mas parece ser clara a tendência a facilitar a vida do jogador. Era comum “emperrar” em um determinado chefão e ter que persistir até vencer e hoje isso costuma ser apontados como um defeito em análises. Gamers antigos precisavam ter uma queda pelo masoquismo. Veja abaixo dez hipóteses sobre a vida mansa dos jogadores atuais.

1. Game Over para o Game Over – Os videogames floresceram na Era de Ouro dos fliperamas e, nos arcades, os jogos “querem” que você morra. A expressão “Game Over” se tornou icônica e saiu do nicho dos gamers para a população em geral, mas é cada vez mais rara nos jogos. A com “continues” infinitos ainda é comum, porém a versão original perdeu-playboy-volta-pro-começo-do-jogo praticamente desapareceu.

2. Pouca memória dos games antigos – A longevidade de jogos de consoles como o Nintendinho eram estendidas pela dificuldade, já que precisavam ser curtos devido à pouco memória dos cartuchos. O recorde de velocidade para terminar Super Mario Bros.” no site de registro de recordes de games Twin Galaxies é de 5 minutos e 8 segundos, por exemplo, e outros títulos da plataforma não são muito mais longos para um jogador experiente.

3. Chega a salvação - A dificuldade está intimamente relacionada com a história do ‘save’, já que o modo de guardar seu progresso e de continuar de onde errou é central para o desafio do game. O aumento do tamanho e complexidade dos jogos tornou essa função necessária, mas você tem bem menos a perder quando pode salvar o jogo a quase qualquer momento. Mais fácil ainda ficou quando nem salvar mais era necessário, com os onipresentes autosaves e checkpoints comuns nos títulos modernos.

  • Divulgação

    “Donkey Kong” é um game difícil até em comparação com outros clássicos. Ele possui mais de 80 telas ao longo de três níveis, sendo que uma partida mediana dura três telas

4. Ampliação do mercado – Nunca se jogou tanto videogame como hoje, e nunca tantos perfis diferentes de jogadores consumiram games, o que significa que um mesmo título às vezes precisa atender de donas de casa a adolescentes hiperativos. Os modos de dificuldade sempre ajudaram a nivelar o campo de batalha, mas a tendência à inclusão faz com que os games cada vez mais pareçam querer conduzir os jogadores pela mãozinha.

5. Ditadura do ‘completismo’ – Antes o grande mérito era terminar um jogo, hoje é “platinar”, conseguir todos os Achievements e Troféus. Parece estranho hoje, mas houve uma época na qual “zerar” o game era para os melhores e hoje parece que é o mínimo que o jogador mediano precisa fazer antes de se entediar.

  • Reprodução

    O “Game Over” funcionava melhor nos fliperamas do que nos consoles, porque era preciso parar o progresso do jogador para que ele pagasse mais. A tela de continue do “Ninja Gaiden” do arcade, notória por seu sadismo. Bote mais uma ficha ou Ryu é partido no meio pela serra que desce lentamente.

6. Games eram competições, hoje são entretenimento – “Os jogos antes tentavam te vencer, hoje eles existem para serem vencidos” escreveu o jornalista Kieron Gillen em um artigo sobre dificuldade no site “The Escapist”. Ele defende que houve uma mudança nas expectativas dos jogadores e que o espírito competitivo foi perdendo espaço para o entretenimento.

7. A culpa é da narrativa – Jogos competitivos como de luta ou shooters são como um esporte no sentido que se concentram em reflexos e estratégias. Títulos mais narrativos podem colocar a história no centro da experiência e se focar nesse aspecto em detrimento do desafio. Pelo menos é a teoria levantada pelo desenvolvedor veterano Ste Pitckford, que criou “Solar Jetman” e “Ironsword” para a Rare e Nintendo. Segundo ele, os adventures da Lucasarts trouxeram aos games a impossibilidade de morrer para estimular a exploração. Eu ainda considero esses títulos difíceis, já que a verdadeira “morte” alí é emperrar nos quebra-cabeças.

8. A internet – Não tanto uma mudança nos games em si, mas em como a quantidade de informações que temos facilita a nossa vida virtual. Antes era comum escolher um jogo na locadora pela capa sem saber absolutamente nada sobre ele para passar o fim de semana e hoje é cada vez mais raro pegar um jogo sem saber nada sobre ele devido ao hype pré-lançamento. E depois de lançados, até jogos obscuros possuem online passo a passo em vídeo, enciclopédias wiki ou detonados.

9. É mais fácil desistir – Cada vez mais existem mais opções de entretenimento fácil e gratuito tanto na internet quanto fora dela. Quando você se frustrava com o chefão de um jogo e só tinha esse título novo pra passar o fim de semana a única opção era tentar de novo até derrubar o boss. Hoje você pode abrir um site de webgames, reclamar do jogo no twitter, ou assistir vídeos de felinos engraçadinhos no YouTube para se distrair mais facilmente. É mais fácil se entreter

10. Nós somos melhores jogadores – Somos as primeiras levas de gente que cresceu com videogames, e jogar algo desde pequeno proporciona uma agilidade que cresce mais a cada geração. Eu jogava “Super Mario Bros.” junto da minha irmã na idade que o meu sobrinho fragueia gente online em “Halo: Reach”.

  • Reprodução

    “Doom” foi um dos primeiros jogos a tirar sarro do jogador que escolhia modos mais fáceis com os títulos dos níveis de dificuldade. Quem era “jovem demais para morrer”?

Jogar é errar. Segundo estimativas do livro “Reality is Broken” da pesquisadora Jan McGonigal, o gamer mediano passa a maior do tempo errando, e aprendendo a solucionar problemas. Pessoalmente, eu gostava muito da relação de amor e ódio com jogos difíceis e de passar alguns dias se digladiando com uma parte. Alguns desenvolvedores espertos sabem que morrer pode ser metade da graça – como esquecer das sádicas animações de morte de “Another World”? - e no final não existe recompensa real sem desafio.

E você, concorda que os jogos de hoje tendem a ser mais fáceis? Tem suas teorias pessoais do motivo? Veteranos façam o favor de relembrar causos de batalha particularmente desafiadoras aí nos comentários.

A coluna opinativa Além do Jogo trata do impacto dos videogames no chamado mundo real. Publicada às quartas-feiras no UOL Jogos.