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Estudantes acampam dois dias em faculdade para evento de criação de jogos

Pedro Henrique Lutti Lippe

Do UOL, em São Paulo

27/01/2014 12h27

Para dezenas de estudantes de cursos de tecnologia, o último fim de semana não teve festa, confraternização no bar, nem reunião na casa dos amigos. Ao invés de descansarem, eles montaram acampamento em uma faculdade de São Caetano do Sul e passaram 48 horas desenvolvendo jogos.

O ritual é parte do evento anual Global Game Jam, que convida participantes de todo o mundo a colocarem seus nervos criativos em teste para criar games, do zero, em apenas dois dias. No Brasil, 58 pontos de encontro espalhados por 18 estados serviram para reunir os desenvolvedores entre 24 e 26 de janeiro.

UOL Jogos visitou a Faculdade de Tecnologia (FATEC) de São Caetano e acompanhou os desafios enfrentados pelos participantes enquanto estes colocavam a mão na massa.

  • Pedro Henrique Lutti Lippe/UOL

    O professor Alan Carvalho, organizador do evento na FATEC de São Caetano do Sul

Pelo improviso

"Muitas vezes me perguntam como avaliam os jogos, como selecionam quem vai ganhar. Mas não é assim que funciona - não é esse o objetivo do evento", revela o professor Alan Henrique de Carvalho, coordenador do curso de Tecnologia em Jogos Digitais da FATEC de São Caetano do Sul e organizador do encontro na cidade.

"O evento é um 'jam', como uma 'jam session' musical", explica. "Em uma 'jam', os músicos se encontram para tocar qualquer coisa, sem ensaiar ou combinar nada antes. E é disso que se trata o Global Game Jam".

Alan organiza encontros para o Global Game Jam em sua faculdade desde 2011. Naquele ano, o evento foi relizado em 170 locais diferentes. Já nesta edição mais recente, foram mais de 450 estações criativas pelo mundo todo.

A cada ano, os idealizadores do Jam selecionam um tema específico, que deve ser retratado em todos os jogos participantes. Em 2014, a inspiração foi a frase "Não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos". "Pelo limite de tempo e pelo fato do tema só ser revelado no início do evento, os estudantes acabam tendo que improvisar, lidando com o aspecto administrativo da produção de jogos e também colocando suas habilidades criativas em teste", afirma Alan.

  • Pedro Henrique Lutti Lippe/UOL

    Em seu laptop, Thiago de Moraes, 24, trabalha ao lado de seus companheiros de time

Uma experiência diferente

Durante o fim de semana, a faculdade que foi palco do encontro viu coisas que não vê em dias normais. As carteiras das salas de aula foram deixadas de lado para dar espaço aos colchonetes e cabanas nos quais os participantes tiravam cochilos, enquanto pilhas de embalagens de salgadinhos e garrafas de refrigerante vazias se formavam nas mesas.

Até mesmo estudantes de outras instituições apareceram por lá. Um exemplo é Thiago Gomes de Moraes, 24, que é estudante da FMU em São Paulo. Ao lado de um grupo de amigos, ele trabalhou em "Toy Hero", game sobre uma criança de imaginação bastante fértil que fantasia aventuras estreladas por seus brinquedos.

"Essa é a segunda vez que participo do Global Game Jam, e estou dormindo aqui na faculdade", diz Thiago, que com suas habilidades artísticas trabalhou no design dos personagens do jogo, enquanto seus companheiros cuidavam de outros aspectos da produção.

  • Pedro Henrique Lutti Lippe/UOL

    Murilo de Albuquerque, 18, foi um dos estudantes a participar do GGJ pela primeira vez

Aprendizado

Debutante em termos de Global Game Jam, Murilo Romera de Albuquerque, 18, sentia-se mais em casa do que Thiago por ser estudante da FATEC. Mesmo assim, o evento fez com que ele deixasse sua zona de conforto. "Isso é uma nova experiência para mim. O interessante é que mesmo quem acha que não tem um talento específico chega aqui na hora e precisa aprender a lidar com prazos, descobrir como e o que fazer em determinados momentos... A se virar", explica.

Parte de um outro time, Bruna Ribeiro Gabriele, 19, e Rafael di Genova Losano, 20, reproduziram o sentimento de que o Global Game Jam é importante pela questão do aprendizado. "Estou aqui pela experiência. Dentro dessas limitações, queremos ver o que conseguimos fazer e até onde conseguimos chegar", revela Bruna, que fez o design de um game focado em uma menina de rua que escapa de sua realidade pela imaginação.

Rafael, por sua vez, ainda tinha um outro motivo para participar. "Fazia tempo que eu não programava um jogo, e estava com saudades", explica o jovem que trabalha com o desenvolvimento de sistemas. Ele entende que participar do Global Game Jam é importante para fortalecer seu portifólio, já que seu sonho é trabalhar na produção de games. "Hoje em dia, entrar para a indústria acaba sendo uma questão de sorte. Mas se eu conseguir, ficarei feliz".

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    Murilo apresenta seu jogo aos participantes que permaneceram até o final do evento

Resultados

Ao final das 48 horas de evento, os participantes, visivelmente cansados, reuniram-se em uma sala de aula para apresentarem os produtos finais alcançados. Os grupos de Thiago e Rafael, apesar de terem ficado todas as horas dentro da faculdade, optaram por não apresentar seus jogos. Acompanhada de uma amiga, Bruna desistiu da confraternização de encerramento para voltar para casa e tomar um banho.

Já Murilo chamou a atenção dos outros estudantes para revelar seu game, "Vanova's Mystery", sobre um fantasma que se vê trancado em uma vila e deve resolver quebra-cabeças para escapar de sua prisão. O participante, que trouxe um teclado à faculdade para cuidar da parte sonora do projeto, admitiu que seu time não conseguiu encerrar o jogo por causa de problemas de organização, mas pareceu contente com a oportunidade.

Apesar dos jogos resultantes do evento não estarem em um formato ideal - o que é compreensível, considerando a limitação de tempo -, as apresentações finais demonstraram que os estudantes conseguiram ter ideias interessantes. Um dos games girava em torno de uma tela mágica que alterava o mundo ao seu redor de acordo com as tintas que eram aplicadas nela. Já outro tinha um herói que devia se esconder de inimigos, ou então combatê-los usando luz - sua própria força vital.

Todos os jogos criados para o GGJ 2014 na FATEC podem ser jogados aqui

Iniciativa pela indústria

Professor Alan, que agradeceu aos participantes com um convite para a edição de 2015 do Global Game Jam, mostrou-se contente com o resultado do evento: "Gostei bastante do que vi. Considerando todas as dificuldades, acho que várias boas ideias surgiram".

Refletindo os pensamentos de vários dos participantes, Alan concorda que o Global Game Jam é importante para dar exposição à produção nacional de jogos. "Precisamos de mais iniciativas assim", explica. "Somos um mercado consumidor de games enorme, mas a porcentagem de jogos nacionais que jogamso é muito baixa. Nós não conhecemos o que é feito em nosso próprio território".

"A indústria aqui no Brasil é como o Velho Oeste. Lá, os exploradores desbravaram uma terra que não tinha absolutamente nada, e construíram tudo. O Brasil é assim agora", prossegue. "Não acho justo dizer que a indústria está começando no país. Ela já começou. A partir do momento que os empresários começaram a ver ela como um negócio, não tem mais volta".

No curso de Jogos Digitais da FATEC, coordenado por Alan, seis turmas treinam para entrar para esta indústria. "A cada 40 estudantes meus, 10 concluem o curso. Não digo que exista um fluxo enorme de novos profissionais entrando na área. Mas temos o suficiente para suprir a demanda que existe agora, e a que virá num futuro próximo", conclui o professor.