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Com jogos mobile e apelo retrô, Atari tenta se reerguer no mundo dos games

Luiz Hygino

do Gamehall

07/08/2014 15h49

Uma pequena empresa de produção de entretenimento digital, com apenas 11 funcionários, espera crescer nos próximos anos, investindo em nichos como o mercado LGBT e jogos de aposta online, com foco especial em produtos mobile. Talvez você já tenha ouvido falar dela. O nome desta empresa é Atari.

Fundada em 1972, a primeira gigante dos videogames reinou quase absoluta até o começo dos anos 80. Até hoje, a Atari detém o recorde de empresa com crescimento mais rápido na história dos EUA (foi de US$ 75 milhões de faturamento em 1977 para US$ 2 bilhões em 1980), num período em que chegou a registrar  mais de 3000 empregados (Steve Jobs chegou a ser um deles). Tudo ia bem, até o nefasto “Crash de 83”, quando não só a Atari quase deixou de existir, mas quando toda a industria de games por pouco não desapareceu.

Mas a empresa não acabou e tentou se reerguer. Na verdade, passou os últimos 30 anos tentando se reerguer e, agora, num dos momentos mais delicados de sua história, espera voltar a viver as glórias do passado, olhando quase que exclusivamente para o futuro.

Vamos começar pelo começo

Antes de tudo é preciso esclarecer que a Atari que fabricava o querido console Atari 2600 e que encantava jogadores do mundo todo com títulos como “Pong” não é a mesma Atari que tenta se reinventar em 2014. Não mesmo.

Depois do “Crash de 83”, a empresa se dividiu em duas. Em 1984, a divisão de computadores pessoais e eletrônicos da Atari, desvalorizada, foi comprada por Jack Tramiel, fundador da Commodore, e rebatizada como “Atari Corp.”.

Todas as outras divisões restantes formaram a “Atari Games”, produtora que continuou focada no desenvolvimento de títulos para fliperamas. Um ano depois, a Atari Games foi comprada pela Namco, que devido a divergências internas, não explorou muito o potencial da empresa até 1987, quando sob o nome “Tengen”, passou a produzir jogos para o NES, sem autorização da Nintendo.

Em 1989, após processos judiciais, imbróglios e quiprocós, a Atari Games voltou para as mãos da Warner Communications, empresa que havia sido dona da Atari pré-divisão. Sem produções marcantes durante um longo período, a Atari Games foi vendida novamente, em 1996, desta vez para a WMS Industries, e rebatizada como “Midway Games West”. A produtora seguiu lançando jogos até 2003, quando foi definitivamente fechada.

O outro lado da moeda

Enquanto isso, a Atari Corp. seguiu seu caminho, tentando reviver, com seus novos aparelhos, as glórias do Atari 2600. Nunca conseguiu. Do Atari 2600 Jr. até o Atari Jaguar, passando por computadores e até pelo portátil Lynx, nenhum lançamento da empresa alcançou sucesso e, em 1996, o já cansado Jack Tramiel fundiu a Atari Corp. com a inexpressiva fabricante de discos rígidos JTS.

Em 1998, após dois anos sem lançamentos, a Hasbro Interactive gastou US$ 5 milhões para comprar os direitos da marca Atari. O plano era pegar carona no boom da internet, usando as clássicas propriedades intelectuais da Atari para atingir o sucesso. Não deu muito certo.

Três anos depois, a Hasbro Interactive foi comprada pela distribuidora francesa Infogrames (Infogrames, mesmo, e não Infogames. Lembra dela?). Hasbro Interactive, Infogrames e Atari Corp. tornaram-se, então, Atari Interactive, ou simplesmente Atari, mais uma vez. Na Europa, a operação ficou conhecida como Atari Europe, enquanto a subsidiária norte-americana, Atari Inc., passou a funcionar como empresa de capital aberto, com operação quase independente de sua matriz francesa. Quase.

Confuso, né? E não apenas para mim ou para você, mas para o próprio pessoal da Atari.

Laços de Família

No começo da última década, a Atari Inc. passou a atingir lucros anuais que superaram as expectativas de seus acionistas, mas viu os fundos praticamente sendo sugados pela matriz francesa, endividada, e com um modelo de negócio completamente diferente. Uma situação atípica e que desencadeou uma medida drástica.

Em janeiro de 2013, a Atari Inc. pediu concordata ao governo norte-americano, um tipo de declaração de falência que possibilitaria a separação da filial americana de sua matriz europeia, mas ao custo de uma série de propriedades da empresa, incluindo muitas de suas franquias mais famosas. O processo durou mais de um ano e, aparentemente, ocorreu da maneira que a direção da Atari Inc. esperava, especialmente do modo como seu novo CEO esperava.

  • CEO e dono de 29% da Atari, Chesnais diz não ter "um plano de três meses" para a empresa

Like a Boss

Frederic Chesnais já havia sido CEO da Atari Inc. de 2001 a 2007, antes de montar seu próprio estúdio de desenvolvimento de games, sem grande sucesso. O seu retorno ao cargo, depois do renascimento da companhia, se deve, também, ao fato do executivo ter comprado 29% das ações da nova Atari.

Agora, a Atari de Chesnais se descreve como uma companhia de produção de entretenimento interativo, com grande foco em plataformas mobile. Algumas das marcas mais famosas da empresa, como “Pong”, já estão disponíveis nos mercados de aplicativo de celular.

“Estamos começando do zero, e eu, sinceramente, não tenho um plano de três meses para a companhia. Mas eu gosto dela. Gosto da marca. Por isso a comprei”, explicou um talvez exageradamente sincero Chesnais, em entrevista recente ao portal Giant Bomb.

Destemido ou irresponsável, a verdade é que o estilo do CEO tem começado a apontar bons resultados.

“Primeiro de tudo, é preciso fazer nossas marcas restantes terem relevância no século 21, com características online e sociais”, analisou o diretor. “Eu olho para tendências e oportunidades”.

Planos coloridos

Uma oportunidade que a Atari abraçou foi a atenção e suporte à causa LGBT. A empresa, que manteve os direitos de “RollerCoaster Tycoon” mesmo depois da falência, vai lançar “Pridefest”, jogo que troca o parque do game original e o substitui por uma parada do orgulho gay.

  • Divulgação

    Simulador de parada gay será o primeiro jogo da Atari voltado ao público LGBT

“Gostamos de nos ver como uma marca muito inclusiva, uma companhia inclusiva. E procuramos oportunidades de mercado, que possam nos beneficiar comercialmente, além de ser a coisa certa a fazer”, analisou Todd Shalbetter, diretor financeiro da nova Atari, mais um dos 11 funcionários da empresa.

Além de “Pridefest”, a Atari recentemente foi uma das empresas que apoiaram e patrocinaram a Gaymer X2, convenção que celebra a diversidade e a comunidade gamer LGBT.

O cliente tem sempre razão

A companhia também tem tentado aproveitar as poucas marcas clássicas que ainda tem sob seu controle. Na verdade, a primeira ação da nova Atari foi licenciar versões de "Asteroids", "Breakout" e "Centipede" para a rede de lanchonetes norte-americana Denny's, rebatizando os jogos como "Hashteroids", "Take-Out" e "Canti-Pup".

"Transformar nossas marcas clássicas em produtos retrô é uma decisão natural para apresentar a Atari a uma nova geração, além de impactar nossos fãs antigos de uma forma divertida e única", defendeu o CEO, Fred Chesnais.

As novas versões dos jogos substituem o enredo de ficção científica, os inimigos alienígenas e as naves espaciais por temas relacionados ao restaurante, como entrega de condimentos e temperos, uma garrafa de xarope mágico que transforma tudo que toca em ovo frito e uma muralha de comida.

VEJA O TRAILER DE "DENNY'S ATARI REMIX"

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Rei do Pop

Para Chesnais, a Atari também precisa explorar seu valor enquanto ícone da cultura pop. "Eu vejo muita gente usando camisetas da Atari. Não vejo gente com a camisa da empresa X, Y ou Z. Pode falar o nome de qualquer produtora. Talvez Sony, talvez Nintendo. Mas você vê alguém com a camiseta da Ubisoft? Acho que não", disse o CEO. "Quando alguém chega em uma festa com a camiseta da Atari, todo mundo reconhece".

Nos dois anos anteriores à falência, a Atari Inc. tinha registrado lucros de US$ 11 e US$ 4 milhões de dólares, respectivamente, e 17% desse valor vinha só do licenciamento de produtos que estampavam marcas da Atari, ou o próprio nome ou símbolo da companhia.

Sem medo de fazer apostas

A mais polêmica das novas empreitadas da empresa é o "Atari Casino", uma espécie de universo virtual com elementos de MMO para apostas online, que a Atari desenvolve em parceria com a FlowPlay. Ao melhor estilo "Second Life", jogadores poderão realizar uma série de outras atividades entre uma aposta e outra, como passear por shopping virtuais e relaxar em piscinas digitais.

"Foi um pequeno passo rumo ao universo de apostas, com 'Atari Casino', porque é algo muito fácil pra gente. É um passo natural, de jogos para apostas", analisou o CEO Chesnais.

Agora vai?

As iniciativas podem parecer pouco ligadas, em uma primeira análise, mas tudo faz muito sentido para o novo manda-chuva da Atari.

"Eu só quero ter uma equipe forte de executivos. Pense, por exemplo, na indústria do cinema. Se alguém diz que faz filmes, e cuida de tudo, desde a filmagem até a distribuição às salas de cinema, parece loucura. Não precisamos de desenvolvedores internos, só precisamos contratar os melhores de fora".

"Quando eu escuto gente falando 'você não sabe o que está fazendo', eu não me importo. Acho que sabemos o que estamos fazendo. Vamos cometer erros, mas vamos construir coisas grandes, também", profetiza o CEO.