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Caixinha vs. download: distribuição digital ganha espaço nos games

Théo Azevedo

Do UOL, em São Paulo

13/08/2014 14h30

"Faz mais de dez anos que não compro mais jogos em caixinha. Quando o Steam foi lançado achei ótimo, pois não precisava mais esperar os jogos de PC chegarem ao Brasil, o que demorava certo tempo. Hoje em dia tenho também o PlayStation 4 e meus jogos são todos digitais".

O depoimento acima, de Lucas Moura, que tem 25 anos e mora no Rio de Janeiro (RJ), leva à reflexão: estariam os games em disco e caixinha com os dias contados? As vantagens do espaço digital são mesmo sedutoras, da maior chance de encontrar ofertas à entrega instantânea, sem que seja necessário esperar o jogo chegar às lojas. Para completar, com o passar dos anos os games em mídia física deixaram de ter certos atrativos de outrora, como os manuais de instrução.

Nenhuma loja é capaz de competir com o acervo do Steam, onde milhares de jogos para PC ficam a um clique de distância. Recentemente começou a funcionar o EA Access, um serviço para Xbox One que, por US$ 5 ao mês (ou US$ 30 por ano), "aluga" jogos da Electronic Arts, como “FIFA 14” e Battlefield 4”. Já a PS Plus, por R$ 100 ao ano, dá acesso gratuito a games de qualidade na plataforma PlayStation.

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    As liquidações sazonais do Steam trazem jogos com descontos pesados e já viraram 'meme' na internet.

Para a EA em dois anos a venda de jogos digitais será mais lucrativa que a de jogos em caixinha: "Não há nada que a indústria possa fazer para interromper uma mudança no gosto e nos hábitos do consumidor", disse Peter Moore, executivo da companhia, durante a conferência Digital Entertainment World, em fevereiro.

No caso de empresas como a Blizzard, porém, essa realidade já bate à porta: 73% dos lucros da produtora de “World of WarCraft” no 2º trimestre de 2014 vieram do comércio de conteúdo digital.

Parece mesmo um caminho inevitável: nos Estados Unidos, em 2013, as vendas do varejo caíram 2% se comparadas ao ano anterior, segundo o NPD. Já o comércio de conteúdo digital, que vai dos jogos sociais ao PC, passando por DLCs, aumentou em 10%, conforme apuração do Superdata, e já estão no patamar de US$ 12 bilhões.

A Gamestop, símbolo maior do varejo de games, com 4.400 lojas pelos EUA, não vê no crescimento do mercado digital uma ameaça, e sim uma oportunidade. Tony Bartel, presidente da rede, diz que a venda de cartões pré-pagos de PlayStation Network e Xbox Live rende centenas de milhões de dólares: “Muita gente ainda não tem cartão de crédito ou de débito”, disse em entrevista ao Gamesbeat.

Distribuição digital no Brasil

Quem joga computador já se acostumou a viver sem discos e embalagens: com 75 milhões de usuários, o Steam chegou ao recorde de oito milhões de conexões simultâneas em junho, durante uma das famosas liquidações do serviço de distribuição digital da Valve Software. Com a introdução de meios de pagamento locais, através do BoaCompra, o Steam caiu de vez nas graças dos brasileiros.

Já “League of Legends” possui 67 milhões de jogadores por mês, e nenhum deles possui cópia física do game, pelo simples motivo que... não existe uma. “LoL” é gratuito, adepto do modelo “free to play” (ou F2P), popularizado por MMOs como “Ragnarök Online”, que baseia-se nas microtransações, ou seja, na venda de itens.

Porém, quando se tratam de videogames, a distribuição digital no país ainda precisa melhorar, a começar pelo preço. A versão em pré-venda de “Destiny”, por exemplo, custa R$ 250, seja na edição em caixinha ou na digital, à venda na Live ou na PSN.

Como a alta carga tributária que incide sobre games no Brasil não aplica com a mesma intensidade para jogos vendidos via download, há quem estranhe a paridade de valor. Em geral, as empresas de games alegam que se trata de uma política global, ou seja, funciona no Brasil da mesma forma que nos EUA, onde o jogo custa US$ 60, seja na Gamestop, seja na Live ou na PSN.

De fato, faz sentido. Porém, UOL Jogos apurou também que os preços são iguais por aqui porque, caso contrário, o varejo brasileiro, com preços bem menos competitivos, sairia prejudicado.

“Não vejo mais motivos para comprar em disco, principalmente no Brasil, por causa do preço dos jogos”, conta Raphael Campos, 25, que mora em São Paulo. Mesmo fã dos jogos em caixa, ele assina a PS Plus, para aproveitar os descontos e acesso aos jogos. “Gosto muito de ver minha estante cheia de jogos, abrir e ler o encarte Sou da velha guarda, mas dada a atual situação do mercado, não restará outra alternativa senão deixar os discos para trás”.

Desafios a superar

Nem tudo são flores na distribuição digital. Há quem ainda não esteja pronto para abrir mão da mídia física: “Os jogos físicos, apesar de serem normalmente mais caros que os digitais, podem ser trocados, o que é muito bom, já que jogos novos são bem caros”, diz Guilherme Trentini, 18, que mora em Curitiba (PR).

  • Divulgação

    O EA Access não exige que o usuário seja assinante Live Ouro, mas é preciso assinar o serviço do Xbox para jogar online.

Emprestar e trocar jogos são parte da cultura, especialmente no Brasil, e representam a quebra de um paradigma nessa transição para o digital, que também diminui a autonomia do consumidor. Quem tem PS Plus sabe que, uma vez expirada a assinatura, se não houver renovação, perde-se o acesso aos jogos.

Em casos como o da PS Plus o que o jogador compra é uma licença para jogar, e essa licença pode não durar para sempre. Nada garante que aquisições do passado funcionem em futuras plataformas – algo que, justiça seja feita, também acontece com games em disco. Além disso, empresas como a Sony passam a ter um modo fácil de acompanhar hábitos de consumo.

Outro adversário, especialmente para os brasileiros, é a qualidade das conexões de banda larga, já que nos dias atuais os jogos chegam facilmente aos gigabytes de tamanho, fazendo com que o download do jogo leve, literalmente, dezenas de horas.

Por fim, embora a experiência da EA com o Access seja louvável, é preciso refletir se o melhor caminho para um “Netflix dos games” não seria um serviço centralizado, com títulos de diversas produtoras, ao invés de iniciativas isoladas. Do contrário, tantos serviços podem acabar confundindo e onerando o usuário.

QUEM É QUE NA DISTRIBUIÇÃO DIGITAL

STEAMCom 75 milhões de usuários e um acervo inigualável de jogos, o Steam é uma loja virtual de jogos para PC criada pela Valve Software.
PLAYSTATION PLUSPor R$ 100 ao ano, dá aos proprietários do PS3, PS4 e PS Vita acesso a uma seleção de jogos, descontos e outros benefícios.
PLAYSTATION NOWEm fase de teste nos EUA, por valores que vão de US$ 3 a US$ 15, o Now inicialmente permitirá “alugar” jogos de PS3 via PlayStation 4 ou certas TVs da Sony.
GAMES WITH GOLDEquivalente à Plus, o Games with Gold dá acesso a certos jogos no Xbox One e Xbox 360, mas apenas para assinantes Ouro da Live, que sai por R$ 100 ao ano.
EA ACCESSJá disponível nos EUA, o Access “aluga” jogos da EA no Xbox One, dentre eles “FIFA 14”, “Peggle 2” e “Battlefield 4”, por preços que variam entre US$ 5 e US$ 30.