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O clone: relembre a saga mais infame do Homem-Aranha

Reprodução/Marvel Comics
Imagem: Reprodução/Marvel Comics

Victor Ferreira

Do Gamehall, em São Paulo

28/04/2017 18h14

Ao tentar renovar o personagem, "A Saga do Clone" só deixou o mundo do Homem-Aranha mais confuso

Desde sua criação, em 1962, o Homem-Aranha já passou por vários momentos bizarros, já tendo seu corpo possuído por vilões e até virado ou confrontado uma aranha gigante.

Várias vezes.

Homem-Aranha: O Outro - Reprodução/Marvel Comics - Reprodução/Marvel Comics
Para ser justo, neste caso foi mais uma viagem espiritual do que qualquer coisa
Imagem: Reprodução/Marvel Comics

Mas poucas histórias são tão infames, tão odiadas, e tão representativas dos problemas da Marvel nos anos 90 do que a famigerada "Saga do Clone", que durou de 1994 a 1997 e abalou as estruturas do mundo do Cabeça de Teia.

Para um pouco de contexto, nos anos 1970 o roteirista Gerry Conway foi forçado a criar uma história especial em reação a um dos outros episódios mais polêmicos da história do Homem-Aranha: a morte de Gwen Stacy.

Após a reação negativa dos fãs, Conway trouxe a garota de volta, apenas para revelar que ela era na verdade um clone da verdadeira Gwen, criada pelo cientista Miles Warren, também conhecido como Chacal. No final da história, o vilão cria um clone do próprio Homem-Aranha - com direito a memórias e tudo -, que aparentemente morre ao tentar salvar a vida de seu amigo Ned Leeds de uma bomba.

Duas décadas depois, o Aranha precisava de mudanças: suas histórias estavam muito sombrias, e o personagem mais taciturno e violento, sem o senso humor das histórias clássicas.

Mais importante para a Marvel, nenhum dos seus títulos estavam vendendo tão bem.

Por isso, a equipe criativa responsável pelas histórias do Homem-Aranha fez uma decisão fatídica: trazer de volta o clone daquela história de 20 anos atrás.

Foi assim que nasceu Ben Reilly, que não só se parecia com Peter Parker, como tinha todas as suas memórias até a história do Chacal. Sobrevivendo à explosão, o clone foge de Nova York e assume uma nova identidade - adotando o nome de seu tio e o sobrenome de solteira da tia - e passou a viver a esmo pelos EUA.

Eventualmente, Ben retorna à cidade após descobrir que sua amada Tia May está morrendo. Após um encontro tenso entre ele e Peter, o clone decide voltar à ativa como um super-herói, assumindo a identidade de Aranha Escarlate.

Aranha Escarlate - Reprodução/Marvel Comics - Reprodução/Marvel Comics
E se você não soubesse que ele foi criado nos anos 90, o moletom com as mangas rasgadas são uma boa dica
Imagem: Reprodução/Marvel Comics

Com o passar do tempo, Ben e Peter formam uma aliança para derrotar o Chacal - que havia sido ressuscitado para a Saga - e o misterioso Kaine, que mais tarde descobre-se ser outro clone do Homem-Aranha.

Com o sucesso inicial da história, o setor financeiro da Marvel pediu para que a equipe criativa do Aranha estendesse ainda mais a Saga do Clone, apresentando ainda mais personagens misteriosos e diferentes, culminando com o Homem-Aranha e o Aranha Escarlate lutando contra dezenas de clones de Peter Parker.

A maior reviravolta, porém, aconteceria após o Chacal ser derrotado: na verdade, Ben Reilly era o verdadeiro Peter Parker, e o personagem que os leitores conheciam pelos últimos 20 anos era o clone.

Peter, visivelmente chocado, fica enfurecido, e chega a acidentalmente agredir sua esposa, Mary Jane.

Que estava grávida.

Homem-Aranha: Violência doméstica - Reprodução - Reprodução
"Ponto baixo" não define
Imagem: Reprodução

Ao descobrir que não era o herói original, e com um bebê à caminho, Peter abandona seu papel como Homem-Aranha, passando o manto para Ben.

E é aqui que os verdadeiros problemas começaram.

Originalmente, de acordo com o então Editor-Chefe (e também roteirista de parte da história) Tom DeFalco, a mudança seria apenas temporária, e após alguns meses Peter voltaria a ser o bom e velho Cabeça de Teia, enquanto Ben assumiria novamente identidade de Aranha Escarlate, com talvez até uma HQ própria - algo que ele já havia feito com Thor e o herói Eric Masterson, mais conhecido por aqui como Trovejante.

(Isso nem era exclusivo da Marvel: até mesmo o Batman havia passado por algo assim na história "A Queda do Morcego", com Bruce temporariamente passando o papel para outro personagem após ser aleijado em uma luta contra Bane)

Com o sucesso da primeira fase, a demissão de DeFalco da posição de Editor-Chefe, e a completa falta de direção da equipe criativa, ficou marcado que Ben seria o novo Homem-Aranha, e Peter Parker era coisa do passado.

Isso não caiu bem nem para os fãs ou mesmo para escritores e artistas dentro e fora da Marvel. Ben poderia até ser a versão original do Homem-Aranha, mas os 20 anos anteriores definiram muito do personagem e seu relacionamento com outras pessoas. Por isso, ele não poderia interagir com figuras carimbadas como J. Jonah Jameson da mesma forma, tanto que foi preciso criar um elenco coadjuvante completamente novo.

Dan Jurgens - conhecido na época como "o cara que matou o Superman" - foi um dos novos roteiristas a assumir a nova fase do Aranha, e imediatamente disse ao editor Bob Budiansky que era preciso trazer Peter de volta. Bob, que já não acreditava no potencial a longo prazo de Ben como o Amigão da Vizinhança, concordou.

A questão é: como fazer isso?

Homem-Aranha (Ben Reilly) - Reprodução - Reprodução
Ben Reilly como Homem-Aranha (certamente melhor que o moletom)
Imagem: Reprodução

A novela durou meses, com essencialmente todos os roteiristas e artistas (e outros funcionários) da Marvel dando sugestões de como concluir a história, de viagem no tempo até possível amnésia. Como é de se esperar, isso também afetou a qualidade das histórias, apresentando novas reviravoltas e personagens misteriosos até o público enjoar.
No fim, foi decidido que para acabar com a Saga do Clone, era preciso trazer de volta um personagem ainda mais antigo: Norman Osborn.

Hoje em dia pode não parecer, mas a ideia de que Peter e Norman são arqui-inimigos é mais recente do que se imagina, já que o vilão havia sido morto na mesma história que Gwen Stacy. Até os anos 90, era possível dizer que o Doutor Octopus, Harry Osborn ou até os vários Duendes Macabros eram bem mais importantes para o Aranha.

A morte do clone - Reprodução - Reprodução
A morte de Ben Reilly
Imagem: Reprodução

Para desamarrar o nó que a Saga do Clone acabou se tornando, porém, a Marvel decidiu desenterrar Norman, que estava por trás dos planos do Chacal e de vários outros personagens durante a história para transformar a vida do Homem-Aranha em um inferno. Na conclusão da história, Ben morre salvando Peter, e após seu corpo se degenerar imediatamente, ficou claro quem era o verdadeiro e quem era a cópia.

Ah, e pra completar: enquanto isso Mary Jane finalmente dá a luz à uma filha... que é imediatamente raptada por capangas de Osborn.

Porque um Homem-Aranha casado e com filhos seria estranho demais, é claro.

Novo Aranha Escarlate - Reprodução/Marvel Comics - Reprodução/Marvel Comics
Ben Reilly em seu novo visual como Aranha Escarlate
Imagem: Reprodução/Marvel Comics

O retorno

Por anos, a Saga do Clone foi considerada o ponto mais baixo das histórias do Homem-Aranha, um exemplo das péssimas decisões editoriais da Marvel na época, e até um dos motivos pelo qual a empresa quase foi à falência.

Ainda assim, a história trazia pontos positivos: "Amazing Spider-Man #400", que mostra a morte da Tia May, ainda é considerada uma das melhores histórias avulsas do Homem-Aranha, em particular pela conversa que revela que a velhinha sabia que seu sobrinho era um super-herói, e seu orgulho por ele.

Homem-Aranha: Tia May - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

(Naturalmente, a Marvel decidiu trazer a personagem de volta poucos anos depois desta história).

Mais do que isso, Ben Reilly tinha uma parcela significativa de fãs, que o viam como uma versão mais próxima do Homem-Aranha original: solteiro, mais calmo e engraçado, sem tanta da bagagem emocional que Peter havia ganhado nas últimas décadas.

Tom DeFalco, uma das principais mentes por trás da história, mostrou várias vezes que ainda tem um apreço por Ben, e não só usou o design de sua roupa para a série "Spider-Girl" - em que a filha de Peter, Mayday, vira uma super-heroína como o pai - quanto reescreveu a Saga do Clone como originalmente imaginou, chegando até a mantê-lo vivo ao fim da narrativa.

Com o passar dos anos, os clones foram lentamente voltando ao mundo do Homem-Aranha. Kaine - lembra dele? - assumiu a identidade de Aranha Escarlate, e chegou até a ganhar sua própria série em quadrinhos.

Mais recentemente, Ben voltou dos mortos como uma nova versão do Chacal, e nesta semana a Marvel lançou mais uma série do Aranha Escarlate, dividindo o holofote com Kaine como anti-herói (ou até vilão) da história.

Para quem tiver interesse em saber mais de como este projeto acabou se tornando tão complicado, o escritor Andrew Goletz e um dos antigos editores do Homem-Aranha, Glenn Greenberg, recontaram toda a Saga - vista de dentro e de fora - na série The Life of Reilly (em inglês), publicado originalmente em 2001.

E, em retrospecto, por não ter a Gwen Stacy ficando grávida do Norman Osborn ou Peter vendendo sua alma para o diabo, é difícil dizer que esta é a pior história do Homem-Aranha.