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"O videogame matou o fliperama", diz fabricante mais tradicional do Brasil

Edson Pinheiro/Reprodução
Imagem: Edson Pinheiro/Reprodução

Rodrigo Lara

Do Gamehall

19/12/2017 04h00

Quem frequentou casa de arcade ou shoppings nos anos 1990 provavelmente se lembrará do nome DiverBras. A empresa, fundada há 36 anos, era uma das principais de um ramo bastante pujante à época: o de entretenimento eletrônico.

Boa parte das máquinas (os "fliperamas", como eram popularmente conhecidos à época) que adornavam bares, casas especializadas ou, ainda, shoppings acabava tendo a DiverBras como fornecedora. Ou seja: se em algum momento você jogou games de sucesso na época, como "Mortal Kombat" ou ainda "Daytona", é bastante provável que a máquina utilizada tenha saído do galpão da empresa, na Zona Leste de São Paulo.

Nessas duas décadas, porém, muita coisa mudou no mundo e, especialmente no Brasil. E esse outrora lucrativo segmento não apenas entrou em crise: ele praticamente deixou de existir.

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UOL Jogos visitou a sede da empresa para conversar com Edson Pinheiro Filho. Com 32 anos, ele está à frente do negócio em uma sucessão que começou com Manoel Pinheiro, fundador da DiverBras. No final dos anos 1970, a empresa iniciou as atividades fabricando mesas de sinuca. Nos anos 1980 foi a vez dos pinballs e, depois, dos arcades de videogame.

"Eu praticamente cresci nesse meio e lembro perfeitamente como era ser um adolescente nos anos 1990. Quando chegavam as férias, era só alegria. Eu vinha para cá e passava os dias jogando", conta Edson.

Apesar de jovem à época, Edson lembra como era o movimento de interessados em comprar máquinas. "Tinha gente do Brasil inteiro que, assim que sabia que chegaria um novo jogo, trazia um caminhão antes mesmo das importações chegarem. Muitas vezes vi máquinas saírem de um caminhão e já entrarem em outro. Era uma coisa doida", diz.

Diverbras - Edson Pinheiro Filho (dono) - Rodrigo Lara/Gamehall - Rodrigo Lara/Gamehall
Hoje à frente da empresa, Edson Pinheiro Filho viveu o sonho de infância de muitos adolescentes dos anos 1990: crescer em meio a arcades; hoje, ele ajuda a empresa de sua família a se reinventar em um mercado que praticamente aboliu os arcades
Imagem: Rodrigo Lara/Gamehall

A importação de máquinas montadas era a apenas uma parte do negócio da DiverBras. A maior parte dos arcades vendidos pela empresa chegavam ao Brasil apenas no formato de placa, sem gabinete. "Nós montávamos seguindo as especificações de quem nos fornecia os jogos. Acabamos ficando conhecidos por fazer um trabalho igual ou melhor do que as máquinas vistas nos países de origem. Isso é algo que nos enche de orgulho", explica Edson. Essas placas eram negociadas diretamente com os fabricantes, com todas a licenças de uso que cabiam à atividade.

Ele também conta que a empresa sempre tentou incrementar esses gabinetes, como fazendo modelos fechados para games de corrida, com traseiras de carros estilizadas e até mesmo rodas reais de automóveis.

Para se ter uma ideia de como o negócio de arcades prosperava no Brasil dos anos 1990, Edson conta que era comum donos de estabelecimentos do tipo aumentarem seu padrão de vida em poucos meses. "A gente ficava feliz quando via um comprador chegar aqui com uma picape velha, comprar uma máquina, e meses depois aparecer com carro novo". Edson estima que cada máquina, na época, custava o equivalente ao que seria R$ 10 ou R$ 15 mil hoje. Dependendo do ponto de instalação, esse investimento era recuperado em cerca de dois meses.

Da mesma forma, era simples comprar máquinas de empresas como a Namco. "A gente brinca que, na época, essas empresas não tinham vendedores, tinham anotadores de pedido. Era muito simples e rápido trazer os principais lançamentos para o Brasil". Ele estima que, no auge da empresa, os games mais vendidos eram os da série "Street Fighter", com cerca de 10 mil máquinas comercializadas em um período de cinco anos. "Isso foi mais ou menos entre 1992 e 1998. Nessa época, ao menos nos arcades, o Brasil tinha porte de potência dos games".

Diverbras - gabinete personalizado - Reprodução - Reprodução
A DiverBras também ficou conhecida por criar gabinetes personalizados e chamativos; jogos de corrida, por exemplo, ganhavam cockpit com carenagem e também rodas de verdade
Imagem: Reprodução

A DiverBras, inclusive, chegou a atuar no desenvolvimento de games para seus arcades. Foram feitos dois: "Senninha GP", em parceria com o Instituto Ayrton Senna, e outro voltado para crianças, que envolvia arremessar bolinhas em uma tela sensível ao toque.

A "maldição" dos videogames

Apesar de populares nos anos 1990, tanto os arcades quanto as casas especializadas nessas máquinas acabaram ganhando uma fama pouco desejada: frequentemente associados à vida boêmia, por serem comuns em "botecos de esquina", eles já motivaram muitos sermões de pais em filhos. Esse, porém, não foi o inimigo que deu o golpe de misericórdia nesse segmento no Brasil.

Os responsáveis por isso acabaram sendo os videogames. Se, nos anos 1990, o grande sonho de marketing de aparelhos como Super Nintendo, Mega Drive, Neo Geo e companhia era oferecer uma experiência a mais próxima possível de se jogar em uma máquina arcade (algo que só o console da SNK conseguia), conforme os videogames caseiros foram evoluindo, eles acabaram igualando e até superando o que se via nos fliperamas.

"O videogame matou o arcade. Quando o nível de qualidade desses aparelhos ficaram equivalentes ao do arcade, foi o fim dessa era de sair para ter que jogar, sei lá, um 'Daytona'".

Daytona USA - máquina arcade - Reprodução - Reprodução
Clássicos como "Daytona USA" chegaram ao Brasil pelas mãos da DiverBras; hoje, empresa atua principalmente com brinquedos voltados ao público infantil
Imagem: Reprodução

O resultado disso foi a extinção de boa parte das empresas que atuavam no mesmo ramo da DiverBras. Às sobreviventes, restou um único caminho: se reinventar.

"Esses espaços começaram a migrar para os shoppings e tendo como alvo as famílias. Esse ramo, então, começou a se moldar para atender, principalmente, shoppings e buffets infantis. Ainda existem os arcades voltados para adultos, com jogos de tiro ou de corrida, mas a proporção é muito menor hoje em dia".

Hoje a DiverBras produz muito mais brinquedos eletrônicos voltados a premiações, como aqueles onde o jogador controla uma grua e tem a missão de pegar bichos de pelúcia. "A maior parte do faturamento vem desses brinquedos voltados às crianças". Além disso, Edson conta que parte da atividade da empresa passou a vir da fabricação de móveis planejados.

"Era um negócio muito maior e hoje as empresas têm que se adaptar a essa realidade. Encontramos outra maneira, novos clientes. É difícil falar em crescimento, mas acredito que esse mercado vai se manter por um tempo", completa Edson.