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Jogos indie são reduto de estilos ignorados por grandes produtoras

"Horizon Chase" emula os populares jogos de corrida dos anos 90 - Divulgação
"Horizon Chase" emula os populares jogos de corrida dos anos 90
Imagem: Divulgação

Rodrigo Lara

Colaboração para o UOL Jogos

11/07/2018 04h00

O quanto a indústria de videogames mudou em pouco mais de duas décadas? A resposta, provavelmente, é "muito". Afinal, o período viu várias trocas de gerações de aparelhos, uma intensa briga para oferecer experiências cada vez mais realistas e a consolidação dos videogames tanto em nível econômico quanto cultural.

Quem acompanhou essas mudanças na condição de jogador, no entanto, certamente lamentaria o desaparecimento de alguns estilos de jogos que faziam sucesso nos anos 1990 e começo da década de 2000. Games de plataforma, jogos musicais e adventures ao estilo "point and click" se tornaram cada vez mais raros. Por outro lado, vimos a ascensão de games em primeira pessoa - e dos mais variados gêneros -, algo que dura até hoje.

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A boa notícia, em especial para quem sente saudade desses tais "gêneros perdidos" é que eles sobrevivem "muito bem, obrigado" em uma outra categoria de games: os jogos independentes. Uma das provas disso pode ser vista se olharmos a lista dos jogos lançados em 2018 (ou com versões específicas que chegaram neste ano) que melhor foram avaliados.

Nela, temos uma presença maciça de games cujos gêneros eram considerados "mortos": "Celeste" (game de plataforma); "Inside" (game de plataforma e aventura); "Into  the  Breach" (game de estratégia em turnos); e "Owlboy" e "Hollow Knight" (que bebem diretamente da fonte de "Metroid" e "Castlevania") são alguns exemplos.

Como explicar esse fenômeno? Seria uma mera coincidência termos tantos jogos bem avaliados que exploram gêneros considerados ultrapassados pelas grandes produtoras? Como veremos, a resposta passa longe disso.

Saudosismo não, oportunidade

Uma possível explicação para o retorno de determinados gêneros passa pelo movimento da indústria de videogames como um todo. Essa é opinião do game designer Felipe Dal  Molin, um dos responsáveis pelo game "Horizon Chase". "Os grandes nomes da indústria estão sempre em busca do que é maior e mais novo, e nesse caminho deixam espaços em branco. Com a popularização das ferramentas e processos de desenvolvimento, desenvolvedores menores podem explorar esses espaços", diz.

Felipe cita a corrida pelos gráficos 3D instaurada pelas gerações 32 e 64 bit, o que fez com que o uso do 2D caísse em desuso. Games com jogabilidade em duas dimensões e o uso de técnicas como animações em pixel só voltaram a evoluir anos depois pela mão de desenvolvedores independentes. Ele também aponta que o uso do 3D também já passa por uma popularização dentre esses desenvolvedores.

"O que era impressionante na década de 1990, como 'Super Metroid' ou 'Metal Slug', passa a ser um jogo acessível de se fazer 15 ou 20 anos depois com uma equipe de poucas pessoas", diz. Ele também cita que os espaços em branco deixados pela indústria de games "mainstream" também são preenchidos com inovação técnica, de design e de direção.

"Assim é possível encontrar novos caminhos e criar games como 'Hollow Knight' e 'Cuphead'".

Há de se considerar também o fato de que, muitas vezes, esses estilos que "retornam" hoje eram populares na infância ou adolescência de quem produz games na atualidade.

Os produtores independentes tentam desenvolver o melhor jogo que podem. Muitas vezes, suas capacidades são maiores nos gêneros que gostam

Paulo Luis Santos, fundador do Flux Game Studio

"Um exemplo é 'Celeste', criado pelo Matt Thorson que é um exímio jogador de games de plataforma. Ele usou o seu conhecimento no gênero e criou um game fantástico", completa o fundador da empresa responsável pelo game de luta "G.U.T.S.".

Por apostarem em formatos consagrados, a tendência é que esses games também encontrem uma recepção mais calorosa. "Jogos de gêneros clássicos acabam sendo mais acessíveis para o mercado e isso se mistura com a nostalgia dos consumidores. Por serem mais baratos de serem feitos, ao menos em termos técnicos, a relação entre custo de produção e qualidade de conteúdo é muito favorável", afirma Luis Gustavo Sampaio, executivo-chefe de operações e level designer da Mad Mimic Interactive, produtora do game "No Heroes  Here".

Esse custo-benefício também pode ser notado pelos jogadores, que acabam encontrando uma "zona de conforto" ao investir em um game de um gênero já conhecido.

Um Metroidvania [estilo que mistura elementos das séries 'Metroid' e 'Castlevania'] bem executado possui uma experiência muito positiva para o jogador. E os jogos rítmicos são capazes de entreter por muito tempo

Luis Gustavo Sampaio, executivo-chefe de operações e level designer da Mad Mimic Interactive

Como aparecer na multidão

Os desenvolvedores independentes precisam utilizar todas as armas que possuem para conseguir algum sucesso no mercado altamente concorrido da atualidade. "Fazer um game que você domina é um dos muitos caminhos para se tentar alcançar uma vantagem competitiva. Mas não é a única, é claro".

É claro que a qualidade também conta nesse ponto. "O mercado acaba forçando uma associação do "bom" com o que há de mais novo em fidelidade gráfica. Mas a verdade é que a gente consegue encontrar o que é bom de jogar em qualquer época, em qualquer plataforma", afirma Molin.

"O trunfo é fazer os jogadores se sentirem desafiados, recompensados, imersos, sem que o apelo do jogo, necessariamente, esteja em levar a tecnologia ao limite".

Enquanto "Horizon  Chase" aposta num formato de games de corrida que fez muito sucesso nos anos 1990, a Flux seguiu um caminho que é bastante visto entre produtoras independentes: explorar um gênero de maneira inovadora.

"Quando tivemos a ideia do 'G.U.T.S.', nós fomos pesquisar o mercado para avaliar a oportunidade existente para um game como ele. Identificamos que os jogos de luta, que gostamos bastante, seguem padrões muito semelhantes há cerca de 25 anos. Apostamos que havia espaço para novas ideias e abordagens dentro do gênero e, assim, desconstruímos uma série de mecânicas tradicionais dos jogos de luta na hora de fazermos o nosso", diz Paulo.

E mesmo quando não há nenhuma influência direta, esses gêneros clássicos acabam cedendo elementos para jogos independentes. "Nossa ideia inicial era misturar elementos de games como 'Overcooked' e 'Lovers in a Dangerous  Spacetime' e ter uma câmera 3D. No fim, escolhemos o 2D com visão lateral. Com isso, ele acabou também tendo elementos de jogos de plataforma", diz Sampaio.

De qualquer maneira, seja por oportunidade de mercado ou simplesmente pela paixão dos desenvolvedores, os games independentes se tornaram terreno fértil para gêneros que passam longe de integrar o rol de prioridades das grandes produtoras.

Se você tem sentido falta de jogos de um determinado estilo ou tem saudade de games com mecânica clássica, há boas chances de que seus problemas serão resolvidos ao olhar com mais carinho para os games independentes.