Topo

Tragédia de Jacksonville expõe lado ruim da alta popularidade dos eSports

David Katz, o atirador de Jacksonville tomava antidepressivos e comprou as armas legalmente - reprodução/EA
David Katz, o atirador de Jacksonville tomava antidepressivos e comprou as armas legalmente Imagem: reprodução/EA

Rodrigo Lara

Colaboração para o UOL Jogos

29/08/2018 04h00

Transtornado, um homem invade um bar, efetua vários disparos e mata duas pessoas antes de tirar a própria vida.

A descrição acima, infelizmente, tem sido corriqueira. Troque bar por "escola" ou "empresa" e teremos uma notícia que, contando o ocorrido do último domingo (26), já se repetiu por 235 vezes nos Estados Unidos em 2018, segundo dados do Gun Violence Archive, uma organização sem fins lucrativos que rastreia ocorrências do tipo no país.

A principal diferença em relação às outras 234 vezes é que o tiroteio de Jacksonville, na Flórida, teve um cenário inédito: um torneio de eSports. Tratava-se de uma etapa qualificatória do Madden NFL 19 Classic, cujas finais ocorrerão no mês de outubro, em Las Vegas, onde estará em disputa o prêmio total de US$ 125 mil.

VEJA TAMBÉM

Para se ter uma ideia da popularidade da coisa, estima-se que a audiência global de eventos do tipo chegue a 380 milhões de pessoas neste ano e, obviamente, há cada vez mais eventos relacionados aos eSports, seja em nível amador, semiprofissional ou profissional. Segundo a consultoria Newzoo, os esportes eletrônicos vão gerar US$ 905 milhões em 2018. 

Sobre o tiroteio, é bom ressaltar que era uma competição de um game de futebol americano, sem qualquer relação com títulos mais violentos - que frequentemente acabam como bodes expiatórios sempre que possível. Isso, no entanto, não impediu que alguém aparecesse e, de maneira insólita, desse um jeito de colocar a culpa nos games.

No caso, tratou-se da procuradora-geral da Flórida, Pam Bondi, que em entrevista à rede de TV Fox News afirmou que os jogos online "revelam a localização dos jogadores" e que isso poderia "revelar para predadores que seu filho de 13 anos está sentado jogando videogame em casa".

Bondi, claro, não considerou que o campeonato em questão era uma competição presencial, com caráter oficial e que, ao menos em tese, reuniria jogadores que levam os eSports bem a sério.

Tanto que David Katz, o atirador de 24 anos, era um deles. Ele já havia tido bons resultados no cenário competitivo do game em 2017, quando chegou a vencer um campeonato e levou para casa US$ 10 mil. No torneio do último final de semana, no entanto, ele acabou eliminado. Retornou ao local do evento portando duas armas e efetuou os disparos.

Segundo relatos, Katz - que já fora internado por duas vezes em clínicas psiquiátricas em sua adolescência e tomava medicamentos antipsicóticos e antidepressivos - estava agindo de forma "estranha" durante a competição. Agentes da ATF, órgão do Departamento de Justiça dos EUA responsável, entre outras coisas, pelo controle da venda de armas, afirmaram que Katz havia comprado legalmente ambas as armas neste mês de agosto.

Obviamente, é mais fácil fazer malabarismos para jogar a culpa sobre os games em vez de discutir o fato de que uma pessoa com histórico de doenças mentais como Katz possa entrar em uma loja de armas e comprar legalmente armas suficientes para fazer um belo estrago.

Katz poderia ser um jogador de pôquer e ter levado a cabo o ataque nos saguões de um hotel durante um torneio do jogo de cartas. Ou ainda, ter se revoltado após a derrota do seu time de futebol americano e atirado contra torcedores na saída de um estádio.

Ou, ainda, poderia ser um dos vários brasileiros que se envolvem em confrontos de torcidas nos arredores de estádios de futebol.

E por que, então, isso ocorreu durante um torneio de eSport? A resposta é simples: popularidade. Se há alguma razão para culparmos os eSports, seria apenas essa: se tornar popular o suficiente para ter um evento atingido por um problema de segurança.

Qualquer outra interpretação para os eventos que terminaram com a morte dos jogadores Elijah Clayton, de 22 anos, e Taylor Robertson, de 28 anos, significa cometer o erro de atacar as consequências e não a causa de um problema.