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Em 1998, o E.T. de Varginha inspirou o primeiro grande game brasileiro

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Imagem: Divulgação

Pablo Raphael

Do UOL, em São Paulo

18/11/2017 04h00

Vinte e um anos atrás, a cidade de Varginha, no sul de Minas Gerais, ficou famosa em todo o país: um extraterrestre teria sido avistado e capturado na cidade, no episódio que ficou conhecido como Incidente em Varginha. O caso, que ganhou uma aura de mistério e conspiração digna de "Arquivo X", chamou a atenção de uma recém-formada produtora de games, a Perceptum.

Fundada por Marcos Fernandes Cuzziol e Odair Gaspar, a Perceptum queria desenvolver jogos de temática nacional. Em setembro de 1998, a produtora lançou "Incidente em Varginha", a primeira grande produção de game elaborada no Brasil.

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No final dos anos 1990, desenvolver games por aqui era uma realidade improvável, muito diferente do cenário fértil atual. Era raras as iniciativas do tipo, e ninguém antes teve tanto marketing, espontâneo ou não, quanto o jogo de tiro que explorou a misteriosa historia do ET de Varginha. Para produzir "Incidente em Varginha", os desenvolvedores foram até a cidade mineira, conversaram com os moradores e se aprofundaram na cultura ufológica.

"Queríamos que a história de fundo pudesse fazer sentido para quem conhece do assunto", disse Cuzziol ao UOL Jogos em 2010.

Incidente em Varginha - Divulgação - Divulgação
"Incidente em Varginha" foi o primeiro jogo de tiro em primeira pessoa feito no Brasil
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Mesmo fases do game ambientadas em outras cidades, como a Praça da Sé, em São Paulo, tiveram detalhes captados em campo. Composta por Fábio Cardelli, a trilha sonora desse estágio é executada com 'samples' de sons reais da famosa praça: buzinas, falas de camelôs e vários outros foram gravados no local.

O jogo de tiro brasileiro foi melhor recebido lá fora do que em território nacional. Foram vendidas 2 mil cópias no Brasil e 20 mil no resto do mundo. Por aqui, o maior problema foi a distribuição: era difícil encontrar "Incidente em Varginha" nas lojas. A raridade era tanta que a versão pirata do game chegou a custar mais do que a original.

Segundo Cuzziol, "Incidente" rendeu um contato curioso: a Perceptum foi procurada, por e-mail, pela central de treinamento das forças especiais dos EUA, responsáveis pelo preparo dos membros dos soldados da força Delta, um esquadrão de elite do exército norte-americano - e um dos principais vilões do game!

"Eles queriam usar o game em modo multiplayer e com missões específicas, para treinamento de soldados Delta. Expliquei que éramos uma empresa brasileira e indiquei a NovaLogic, que na época lançava o primeiro 'Delta Force'". Não muito depois, a central de treinamento das forças especiais americanas e a NovaLogic firmaram um acordo.

Uma continuação para "Incidente em Varginha" começou a ser desenvolvida e ganhou o apoio da comunidade. Uma demo do novo game foi selecionada pela Intel para o evento de pré-lançamento do processador Pentium III, em 1999. Mas as vendas do primeiro jogo não iam bem no Brasil e, embora a Perceptum tenha recebido sua parte das 20 mil cópias vendidas lá fora, o dinheiro não foi o bastante para concluir a sequência.

Incidente em Varginha 2 - Divulgação - Divulgação
O conteúdo inacabado de "Incidente em Varginha 2: Sombras da Verdade" foi exposto na mostra "Imateriais 1999", do instituto Itaú Cultural.
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Apesar das adversidades na produção e distribuição do "Incidente", a Perceptum firmou o pé na produção de games, lançando jogos como "Scooter Challenge", "Mutualismo" e "Robô Sucata", entre outros.

"Incidente em Varginha" surgiu em uma época onde quem fazia jogos precisava descobrir por conta própria como todas as etapas do processo funcionavam. Não havia distribuição digital e mesmo a busca por contatos fora do Brasil era mais complicada. Mas foi o jogo de tiro baseado na suposta captura do E.T. em Minas Gerais quem deu o pontapé inicial para as produções de games nacionais mais elaborados.