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Sexo pixelado: como surgiram os jogos pornô do Atari?

Para bem ou para mal, "Custer"s Revenge" foi um marco na história dos videogames - Reprodução
Para bem ou para mal, "Custer's Revenge" foi um marco na história dos videogames Imagem: Reprodução

Victor Ferreira

Do Gamehall, em São Paulo

16/11/2017 10h43

O sexo no mundo dos videogames tem um histórico longo de controvérsias, do chocante “RapeLay” até o infame minigame “Hot Coffee” de “GTA: San Andreas”, que apesar de não ser acessível no jogo principal ainda poderia ser encontrado nos arquivos de seus discos.

Porém, se você é um pouco mais velho, ou tem um conhecimento mínimo da história da mídia como um todo, é impossível não levantar o assunto sem pensar em uma imagem:

Custer's Revenge - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Não é uma imagem particularmente bonita - muito menos sexy! -, mas “Custer’s Revenge” é emblemático, tanto para a história da pornografia quanto dos games, em particular o Atari 2600.

Visto popularmente como um brinquedo de criança, subitamente o console e a empresa que o criou estavam envolvidas em uma enorme controvérsia envolvendo sexo, estupro e racismo.

Como diabos isso aconteceu?

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Tudo começou com um erro estratégico da Atari, que acabou ajudando a formar a indústria de games como conhecemos hoje: por não ter um controle completo da fabricação de cartuchos do Atari 2600, a companhia viu vários jogos de empresas independentes lançarem seus próprios produtos para o console.

(A primeira delas, inclusive, foi a Activision, uma pequena empresa independente formada por designers insatisfeitos da Atari que acabou tornando-se a maior publisher de games do mundo)

A Atari bem que tentou processá-los, mas acabou cedendo a estas produtoras e permitiu a fabricação de cartuchos, desde que pagassem uma licença para a fabricante do console. Assim, diversos estúdios decidiram tentar a sorte no mundo inexplorado dos videogames, esperando fazer fortuna.

Um deles, conhecido apenas como Mystique, era uma subsidiária da produtora de filmes eróticos Caballero Control Corporation, hoje em dia conhecida como Caballero Home Video.

Atualmente ela vive de glórias passadas, mas nos anos 1970 e 1980 a Caballero era uma das principais forças da indústria pornográfica, empregando os talentos (e “talentos”) de figuras como John Holmes, Ron Jeremy, Nina Hartley e Marilyn Chambers.

(Dica: não procure mais informações sobre estas pessoas no seu trabalho)

Vendo uma oportunidade de ganhar espaço em uma outra mídia, a Caballero usou a Mystique para criar games que fizessem parte do popular selo “Swedish Erotica”. “Custer’s Revenge” é o mais famoso dos três, mas o estúdio também produziu outros “clássicos” do gênero como “Beat ‘Em and Eat ‘Em”, em que deve-se controlar duas mulheres e tentar pegar o esperma de um homem se masturbando no telhado de um prédio…

Beat 'Em and Eat 'Em - Reprodução - Reprodução
Talvez a fantasia masculina mais triste do mundo?
Imagem: Reprodução

… E “Bachelor Party”, que é essencialmente um “Breakout”, mas com um homem no lugar da bola e mulheres no lugar das barreiras.

Bachelor Party - Reprodução - Reprodução
Provavelmente a coisa menos erótica já concebida por humanos
Imagem: Reprodução

Por que “Custer’s Revenge” acabou sendo o mais popular e conhecido entre os três? Basicamente pela capacidade única do jogo em ofender mulheres, defensores da moral e bons costumes, e nativo-americanos com o uso da figura controversa do General George Armstrong Custer, que no jogo deve desviar de flechas para transar com - ou estuprar, defendendo do seu ponto de vista - a jovem indígena do outro lado da tela.

Custer, morto por forças nativo-americanas na Batalha de Little Bighorn, é uma figura particularmente detestada por esta comunidade, e a ideia de que um jogo não só colocaria o jogador no seu papel, como traria como objetivo principal o abuso sexual contra uma mulher indefesa, e que poderia ser comercializado para crianças, levou a protestos de diversas organizações diferentes.

Logicamente, toda a controvérsia só tornou o jogo mais popular, ao ponto de vender cerca de 80 mil unidades - o dobro de “Beat ‘Em and Eat ‘Em” e “Bachelor Party” - antes de ser tirado de circulação.

A Atari bem que tentou processar o estúdio, mas o que acabou com a Mystique foi o que quase acabou com a indústria de games como um todo: O Grande Crash de 1983, quando o mercado atingiu seu ponto de saturação, e a queda de vendas levou ao fechamento de diversos estúdios diferentes, incluindo a produtora de jogos de sexo.

E.T. Atari 2600 - Reprodução/Wired - Reprodução/Wired
Never Forget
Imagem: Reprodução/Wired

Mas os jogos pornográficos do Atari não pararam por aí.

Das cinzas da Mystique surgiu a Playaround, empresa que comprou os direitos dos games do antigo estúdio e criou seus próprios títulos, incluindo “Knight on the Town”, em que um cavaleiro deve resgatar uma princesa, e “Burning Desire”, em que um homem amarrado a um helicóptero deve usar sua ejaculação para conter um incêndio e salvar uma moça de canibais.

O mais notável da Playaround é que seus jogos tinham versões que “invertiam os papéis”, colocando mulheres no lugar dos homens. Assim, em “Lady in Wading” era uma amazona que precisava resgatar um príncipe, enquanto “Jungle Fever” trazia uma mulher lactando para apagar o fogo e resgatar um homem. Havia até uma versão assim de “Custer’s Revenge”, chamada “General Retreat”.

O que quer dizer que, em uma das maiores ironias do destino, alguns dos primeiros jogos protagonizados por mulheres foram estes games pornográficos.

Jungle Fever - Reprodução - Reprodução
Na foto: pioneirismo em representatividade nos videogames
Imagem: Reprodução

O único outro grande jogo de destaque desta era que não foi produzido pela Mystique/Playaround foi “X-Man”, único jogo produzido pela Universal Gamex.

No game, jogadores precisavam chegar ao centro de um labirinto, desviando de tesouras, chatos e dentes no caminho. A recompensa ao completar o objetivo é um minigame que simula sexo entre um homem e uma mulher, com as figuras provavelmente mais detalhadas que um Atari 2600 poderia recriar.

X-Man - Reprodução - Reprodução
Que ainda não é muita coisa
Imagem: Reprodução

(E não, este jogo não tem nada a ver com os super-heróis da Marvel)

Qualquer chance que estes jogos tinham para dar certo acabou após a ascensão da Nintendo, cujo extremo controle de qualidade e produção - criado essencialmente em resposta aos erros da Atari - tornaram praticamente impossível para que desenvolvedores pudessem criar e vender games eróticos com facilidade.

Desde então, games eróticos tem existido apenas como um mercado de nicho, especialmente em plataformas com menos restrições, como o PC - particularmente no Japão, com os chamados “erogês” -, com um ou outro estúdio tentando emplacar com algum título do gênero, geralmente com resultados desastrosos.

BMX XXX - Reprodução - Reprodução
Todos devem aprender com os erros de "BMX XXX"
Imagem: Reprodução