Direto da GDC: "'Out of this World' foi criado no improviso", diz Chahi

THÉO AZEVEDO
De San Francisco

Existem certos jogos tão à frente de seu tempo - ou "fora da curva", como se diz hoje em dia - que, mesmo anos (ou décadas) depois, continuam fazendo pleno sentido. "Out of this World", também conhecido como "Another World" ou "Outer World", é um destes raros casos. Durante a Game Developers Conference 2011, em San Francisco, o francês Eric Chahi, criador do clássico, falou sobre o processo de criação por trás do game, lançado originalmente em 1991.

"'Out of this World' foi criado 20 anos atrás e eu jamais imaginaria que continuaria sendo lembrado pelas pessoas após tanto tempo", contou Chahi, que aproveitou pare revelar que boa parte da produção do game foi feita na base do improviso. "Não tinha ideia do que estava criando, mas superar os limites técnicos, naquela época, foi um pesadelo".

Quem teve o privilégio de viver a era do Amiga ou mesmo dos 16-bits, no final da década de 80 e início da seguinte, e jogou "Out of this World", sabe que era uma experiência diferente de tudo o que havia disponível naquele tempo. O estilo gráfico, bastante particular, foi na verdade algo conveniente para Chahi: "Polígonos usavam pouca memória e cobriam boa parte da tela".

O game designer se arriscou em técnicas de rotoscopia para alinhar os polígonos na velocidade certa, mas as experiências foram desastrosas. Chahi precisou desenvolver suas próprias ferramentas para poder dar vida ao que chamou de "pixigon", ou seja, uma mistura de pixels e polígonos. "Eu estava obcecado por polígonos, só pensava nisso: olhava pessoas e objetos nas ruas e ficava imaginando como seriam com com polígonos (risos)".

Exército de um homem só

No início de 1990, já com a tecnologia bem encaminhada, Chahi se debruçou sobre o game em si: como replicar no Amiga a experiência cinematográfica que tanto desejava, mas sem esquecer do jogador do outro lado da tela? "Criar um game sozinho é complicado, por isso eu sempre tentava me considerar um jogador que não sabia nada, e buscava meio de criar surpresas e superar expectativas".

Foi desse insight que surgiram lances inesquecíveis a cena inicial em que o protagonista Lester emerge do lago e, principalmente, a relação dele com o "amigo" que encontra pelo caminho e que, entre encontros e desencontros, não o abandona até o fim da jornada. "Eu nunca planejei criar um game sobre a relação de amizade, mas a improvisação me levou a isso", revela. "O 'amigo' é o personagem mais importante do jogo"

Na época, Chahi só podia usar uma paleta de 16 cores (pode contar; é este mesmo o número), por isso era comum ver cores repetidas, usadas nos cenários e personagens ao mesmo tempo. Mesmo com tantas limitações técnicas, "Out of this World", mesmo sendo um jogo 2D, ousou ao explorar diferentes planos - houve cenas em que personagens e tiros passavam "à frente" da tela, por exemplo.

A criatividade, claro, foi a principal solução para driblar problemas: usar escadas, por exemplo, exigira um logo trabalho de animação, então Chahi optou pelo teletransporte, que ainda criava um efeito legal, "inspirado nos mangás", como ele mesmo diz.

Veja na íntegra a aventura de "Out of this World"

A saga para levar "Out of this World" às lojas estava longe de acabar quando Chahi deu o jogo por finalizado: foi preciso tempo até encontrar um publisher - a Delphine Software - que não quisesse mudar aspectos fundamentais do game. "Chegaram até a sugerir que eu o transformasse em um 'point-and-click'. E o pior é que, como eu gosto do gênero, quase topei (risos)".

Também mal houve tempo para testar o jogo e, na hora de lançá-lo no Super Nintendo e Mega Drive, foi preciso enfrentar a Interplay, publisher nestes consoles, que queria de qualquer forma mudar a música de abertura. O game designer precisou brigar muito para que o tema original fosse mantido, mas conseguiu.

Ao final da palestra, como um "brinde" para todos os participantes e fãs de "Out of this World" ali presentes, Chahi anunciou o remake do clássico para o iPad, com gráficos renovados, em comemoração ao 20° aniversário do game. Foi a deixa para irromperem aplausos e manifestações apaixonadas de alguns fãs mais radicais.

Mas, sem dúvida, o maior valor que Eric Chahi transmitiu aos presentes foi relembrar um tempo em que os games eram feitos por pura paixão, quando a criatividade e o apreço pelo jogador superavam os limites técnicos. Isso explica porque, mesmo no moderno iPad, "Out of this World" está aí, firme e forte, para confirmar essa história.

UOL Celular