Os jogos eletrônicos podem ter nascido nos Estados Unidos - alguns dos primeiros produtos comerciais que se tem notícia são o "Pong", de Nolan Bushnell, que depois viria a fundar a lendária Atari, o Odyssey da Magnavox, de autoria de Ralph Baer - mas foi o Japão que deu contornos definitivos aos games a partir dos anos 80 com seus fliperamas e consoles - em especial a plataforma NES, com a qual a Nintendo deu o passo definitivo para se tornar um mito da indústria (o nome da empresa já foi sinônimo de videogames).
Porém, entrando neste século, o Japão parece ter sido ofuscado pelas editoras e estúdios ocidentais, que cada vez mais exibem games de qualidade, com produções cinematográficas tornadas possíveis pelo alto nível tecnológico.
Trata-se de uma mudança de paradigma: com os hardwares cada vez mais sofisticados, as soluções tecnológicas passaram a ficar cada vez mais importantes, em vez dos subterfúgios artísticos e analógicos que tão bem funcionavam nos jogos em 2D (e até mesmo no começo da era 3D, iniciada na geração do PSone).
Para o programador Hiromasa Iwasaki, que trabalhou em jogos clássicos para PC Engine, como "Ys I-II" e "Far East of Eden: Manji-maru", o Japão começou a perder para o exterior cinco anos atrás. E o sucesso do Nintendo DS, um portátil com menos recursos, fez com que as produtoras "esquecessem" os consoles em alta definição e não evoluírem a tecnologia.
Hideo Kojima, criador da série "Metal Gear Solid", afirma que é constantemente convidado por produtoras do Ocidente, tendo como chamariz a grande capacidade tecnológica dos profissionais da indústria ocidental. "Sempre que converso com programadores do exterior, eles sempre me convidam desse jeito: 'Assim como você, os designers do Japão complementam com ideias o que os programadores consideram impossível. Mas nós complementamos com tecnologia o que os designers acham impossível'".
Ponto de viradaA superioridade ocidental passou a ser tão nítida que, na Tokyo Game Show de 2008, Yôichi Wada, presidente da Square Enix e da CESA, associação que representa as empresas de games no Japão, admitiu publicamente que o arquipélago perdeu a posição de principal centro de produção de jogos do mundo.
Mas Keiji Inafune, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Capcom, foi ainda mais longe - e foi duramente criticado por isso: disse que os "jogos do Japão morreram". Na Tokyo Game Show deste ano, ele atenuou um pouco as críticas - mas só um pouco - afirmando que a comunidade local de criadores "ainda" não acabou, mas que isso é apenas questão de tempo.
Outros designers japoneses famosos têm grandes críticas aos estúdios locais. É o caso de Hideo Kojima, que supervisiona os trabalhos de "Castlevania: Lords of Shadow", cujo desenvolvimento está a cargo da espanhola Mercury Steam. O japonês disse que o pessoal do estúdio ibérico tem "sangue nos olhos", essa força passional e espírito de competitividade que não existem mais nas produtoras locais. Tomonobu Itagaki, que atualmente faz "Devil's Third" para a THQ, é todo elogios para a editora norte-americana por sua colaboração e troca de experiências, algo que ele deixa a entender que não existia em sua antiga casa, a Tecmo.
Clássicos japoneses com outros olhosJORNADA PARA O OCIDENTE |
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"Devil May Cry", uma franquia clássica da Capcom, será feita pela inglesa Ninja Theory... |
... enquanto "Castlevania: Lords of Shadow" está em produção na espanhola Mercury Steam... |
... e o "Dynasty Warriors" feito no Canadá tem um assunto tipicamente ocidental: a Guerra de Troia |
Seja pela admissão de superioridade ou simplesmente pela sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo, uma das coisas que mais chamou atenção na Tokyo Game Show 2010 foi a quantidade de propriedades intelectuais clássicas das produtoras japonesas que estão sendo tocadas no exterior. Um dos exemplos mais emblemáticos é o próprio "Castlevania: Lords of Shadow", de uma franquia que está para completar 25 anos e agora está nas mãos de uma produtora espanhola.
A Capcom é uma das companhias mais agressivas nesse modelo de produção: o próximo "Devil May Cry" será feito pela inglesa Ninja Theory e "Dead Rising 2" foi desenvolvido pela canadense Bluecastle Games, que agora faz parte do organograma da Capcom. O intuito, segundo Inafune, que passou a ter o cargo de chefe global de desenvolvimento na companhia, é que esses estúdios estrangeiros ajudem a criar games melhores, mais ainda mantendo o "pedigree" da Capcom e dos jogos japoneses. Por fim, a Koei Tecmo tem um time canadense fazendo "Warriors: Legends of Troy", game que faz parte da linha "Dynasty Warriors", franquia que completou dez anos.
Enfim, 2010 pode ser o pontapé de uma colaboração mais orgânica entre Japão e o Ocidente, em que o primeiro entra com suas propriedades intelectuais e ideias, e os estúdios do lado do Atlântico colaboram com sua tecnologia. No que isso resultará é difícil imaginar, mas, vendo os primeiros resultados dessa parceria, já se nota um choque de qualidade e uma visão renovada das franquias. Assim, espera-se que a abordagem represente um futuro (ainda) mais promissor aos jogos eletrônicos.